Já vimos em postagens anteriores a ligação da poesia de Renato Russo com alguns modelos filosóficos e filósofos que lhe influenciaram, tais como Rousseau e Russel. Em algumas canções usou frases de alguns outros filósofos que não apareciam corriqueiramente em sua obra e é sobre essas citações que irei abordar neste tópico, como forma de curiosidade.
BLAISE PASCAL, EDUARDO E MÔNICA
Em Eduardo e Mônica o início é uma referência a Blaise Pascal, filósofo do grupo chamado racionalista. Este grupo era formado por pensadores que entendiam que a razão é força motora de todas as nossas ações e o conhecimento advem da razão, do ato de pensar, dando aos sentidos pouca importância como fontes do conhecimento, entendendo como falho, enganoso ou carente de reconhecimento aqueles obtidos por meio de fonte que não tenham passado pela racionalidade. Inimigos teóricos dos racionalistas eram os emotivistas éticos para os assuntos de comportamento, e os empiristas, quando tratavam sobre o conhecimento. Estes últimos diziam que todo conhecimentto vem da experiência e não da razão.
Apesar de ser racionalista, Pascal mostrava-se moderado e aberto à ideia de que alguns conhecimentos a posteriore poderiam vir dos sentidos e da experiência. Chegou a afirmar que "o coração tem razões que a própria razão desconhece", deixando entender que há coisas que são estranhas à razão e talvez ela não pudesse abarcar em seu arcabouço todas as formas de conhecer. O amor apaixonado poderia ser uma dessas. Como eu disse anteriormente, o início da canção Eduardo e Mônica traz esta frase de Pascal um pouco modificada: "Quem um dia irá dizer que não existe razão nas coisas feitas pelo coração ".
Na essência está repetindo a frase de Pascal, a lembrar: "o coração tem razões que a própria razão desconhece", para ressaltar que, embora incompreensível, a história de amor destes personagens acontecia, mesmo que não parecesse crível. O narrador afirma que "eram mesmo diferentes" mas cada vez que se viam "a vontade crescia como tinha que ser". Não... Racionalmente não TINHA que ser assim... Era para ser justamente o contrário. Isto vem da genialidade do poeta, uma ironia, que leva a história do casal a ser explicada apenas pelas razões do coração que a própria razão desconhece. Tinha tudo para dar errado, mas deu certo. E o artista fez questão de ressaltar esta ideia ao terminar a canção com a frase inicial.
BUDISMO, SHOPENHAUER E O SOL
Budismo é uma religião oriental com bases filosóficas, centrada na ideia do controle dos desejos e o desapego como meios de se chegar a iluminação. Buda disse: "cuidado com o que desejas", uma clara ideia de que podemos nos tornar escravos dos desejos e eles podem ser nossa ruína espiritual, uma vez que movemos nossa vida em torno disto. Também traz a ideia de que como não sabemos nosso futuro, aquilo que desejamos e conquistamos pode vir a ser a causa de um mal que nos venha a acontecer. Por exemplo, alguém que deseja muito uma moto, pode um dia morrer por um acidente com ela. Neste caso, o que tanto desejou, lhe trouxe a morte.
Arthur Shopenhauer também traz a questão do desejo como um empecilho à possibilidade de uma vida feliz. A diferença é que enquanto Buda apenas faz um alerta sobre as armadilhas do desejo, Shopenhauer o coloca como o fator que impossibilita a felicidade, uma vez que somos movidos pelos desejos e eles não cessam nunca. Sempre que se realiza um desejo, se busca imediatamente outro. Não existe satisfação completa e este círculo de cumprimento de metas alcançadas, reiniciando outras, nos coloca em uma vida de infelicidade permanente, que só termina com a morte.
E onde encontramos Renato Russo nesta ideia?
Em "Quando o Sol Bater na Janela de Seu Quarto" ele vem com a frase "tudo é dor e toda dor vem do desejo de não sentirmos dor" Se aproxima muito da ideia budista de cuidar com o que se deseja. Todavia, se aproxima ainda mais da filosofia de Shopenhauer, pois o maior desejo é se afastar daquilo que não podemos, uma vez que ao desejar não sentir o que nos fere, o simples medo de acontecer já o faz presente.
Porém, nem tudo está perdido, diferentemente de Shopenhauer, Renato Russo aponta uma saída e, talvez, aí esteja o motivo do título fazer referência à janela e sol, dois elementos de alento. Na primeira parte da música o poeta se mostra pessimista, tal e qual Shopenhauer, como vemos nos versos:
"Até bem pouco tempo atrás
Poderíamos mudar o mundo
Quem roubou nossa coragem?
Tudo é dor
E toda dor vem do desejo
De não sentirmos dor"...
A segunda parte é mais otimista:
"Por que esperar
Se ainda temos chance?
O sol nasce pra todos
Só não sabe quem não quer"...
A pergunta da primeira parte da canção é carregada de pessimismo, sobre a coragem que havia sumido. Já a pergunta da segunda parte impulsiona a se fazer algo.
Assim, podemos dizer que só a primeira parte remete à ideia de Shopenhauer de que o sofrimento é algo contínuo, que sempre se renova. Contudo, embora se fale de desejo na canção como fator que faz repetir e retornar a angústia, o que nos remete a Buda e Shopenhauer como ideia implícita, não é ele a causa do mal, a causa do mal é o medo.
Continua...
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