sábado, 5 de novembro de 2016

EPICTETO E O BEM VIVER

VIVER É ACEITAR



“Eu ando pelo mundo divertindo gente
chorando ao telefone
E vendo doer a fome dos meninos que tem fome
Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
(Quem é ela? Quem é ela?)
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle.”

Adriana Calcanhoto – Esquadros



EPICTETO

"Não pretendas que as coisas ocorram como tu queres. Deseja mais o bem. Que se produzam tal como se produzem, e serás feliz."




              Epicteto estava a olhar uma figueira, quando chegou até ele um escravo que pertencia a um rico mercador reconhecido pela descortesia com a qual tratava a todos. Como Epicteto ganhara fama por sua sabedoria e bons conselhos, o escravo o procurara. A dúvida do escravo era se devia ou não fugir.

              - Mestre, sei que no passado fostes um escravo. Sofro constantes agressões de meus amos e estou disposto a fugir. Quero a liberdade. O que devo fazer? – Perguntou o escravo.

              - Na vida, meu caro Lucílio, existem dois grupos de coisas: as que podemos modificar e as que não podemos. Devemos nos dedicar àquelas que podemos modificar e aceitar aquelas das quais não temos ingerência. – Ensinou Epicteto.

              - O que queres dizer? – Perguntou o escravo, confuso.

              - Observe aquele figo quase maduro – falou Epicteto apontando para a figueira – há dias observo seu desenvolvimento. Se eu o tivesse comido ainda verde, não seria tão proveitoso. É preciso tempo adequado. Este é um exemplo de algo que não podemos modificar, pois devemos esperar o tempo da natureza. 

              - Entendo o que dizes, mas qual a analogia com o meu problema? Voltou a perguntar o escravo.

              - Como bem dissestes, já fui escravo. Também sofria agressões e cheguei a ter a perna quebrada por maldade de meu senhor. Porém, percebi o lado bom de ser escravo que é o de não ter responsabilidades além daquelas que o trabalho me impõe e isso me oportunizou estudar nos momentos de ócio. Com o tempo tornei-me contador de meu senhor e passei a fazer serviço leve. A maior parte de meus estudos se deu no tempo em que estive com a perna quebrada. Aproveite o melhor de cada situação e use os meios que te são possíveis para transformar a tua vida.

              - Então, só me cabe aceitar a condição de escravo? – Refletiu.

              - Pense bem, não podes modificar por conta própria o fato de seres escravo... É uma condição infeliz, eu sei, mas podes tirar proveito disto. Estude, modifique aquilo que está a seu alcance e aceite aquilo que não podes modificar. Não é sábio nadar contra a correnteza, sábio é usá-la a seu favor. Se fugires, passarás toda a vida se escondendo como um fugitivo com a cabeça a prêmio. Esta é a melhor hipótese, em caso de não ser recapturado. Caso aconteça o infortúnio de te pegarem, o que seria o pior cenário, encontraria um amo sedento por vingança. Nem tudo o que desejamos é necessariamente o melhor para nós, lembre-se disto...

              - Entendi, mestre, vou seguir seu conselho e tirar o melhor proveito possível desta minha triste condição.

              - Observe aquele bezerro ali embaixo no rio – falou Epicteto apontando para o rio que corria logo abaixo de onde estavam – está tentando vir para a margem nadando contra a correnteza. Coitado, falta-lhe inteligência. Se deixasse o fluxo do rio levá-lo chegaria até aquelas pedras mais abaixo e sairia tranqüilo. Vamos ajudá-lo.

              Foram até o rio e auxiliaram o bezerro a sair em segurança. Então, Epicteto olhou para Lucílio e disse:

              - O destino está sempre presente, desde o nascimento até a morte, algumas vezes determinado, outras, em construção...




LIÇÕES DO MESTRE


              Epicteto viveu no primeiro século após o nascimento de Cristo e pertencia a escola filosófica Estoicista, que pregava aceitação diante das adversidades maiores para uma vida mais feliz. O estóico Epicteto foi um escravo e um filósofo bastante interessante e renomado em sua época, chegando a ser influência e mestre do grande político romano Marco Aurélio. Epicteto costumava dizer que normalmente nosso erro estava na interpretação e no julgamento que fazíamos dos fatos e não nos fatos em si. A maior parte dos erros está em nós, pois ao julgar errado um fato, não o conhecemos direito. Julgar errado é o mesmo que ignorar, pois não se conhece verdadeiramente algo através de um julgamento errado. O principal ensinamento de Epicteto, no entanto, reside em duas premissas: a de que devemos modificar a coisas que estão ao nosso alcance, como é o caso, por exemplo, de nossas vontades; e aceitar aquelas das quais não nos é permitido modificar, como por exemplo, o corpo que temos. Hoje, as pessoas abarrotam as academias procurando um corpo perfeito, ou fazem dietas prejudiciais à saúde ou, ainda, procuram clínicas de estética, por vezes morrendo numa mesa de cirurgia, tudo por conta de um descontentamento com o corpo que lhe foi dado pela natureza. Outras procuram incessantemente por riqueza, esquecendo-se de que a felicidade da conquista, quando raramente acontece, é ao custo de uma infeliz busca. Neste caso, a interpretação que fizemos da riqueza suplantou sua realidade. Epicteto é atualíssimo diante do descontentamento geral das pessoas e um convite a refletir sobre nossos desejos, pois segundo ele, desejo e felicidade não podem andar juntos.




Na Pista do DJ EPICTETO


              Além da música “Esquados”, com trecho apresentado no início, entraria na discoteca do DJ Epicteto, a música “Marvin” dos Titãs, que diz: “Meu pai disse boa sorte com a mão em meu ombro em seu leito de morte. E disse: Marvin, agora é só você e não vai adiantar, chorar só vai me fazer sofrer...” .  
                     A música conta a história de um jovem que se vê diante da morte do pai, sem nada poder fazer. O pai pede aceitação. Narra ainda as dificuldades pelas quais passaria o jovem em sua vida, uma repetição da vida sofrida do pai, numa alusão ao que disse o pai no leito de morte: “O seu destino eu sei de cor”.

              A própria música “Esquadros”, de Adriana Calcanhoto, já referida aqui, é uma reflexão do eu-lírico sobre a pouca possibilidade de inferir nos acontecimentos ao afirmar: quando acordei não vi ninguém ao lado”, pois como afirma Epicteto, não podemos agir sobre a vontade de quem quis ir embora ou de quem morreu, simplesmente acordamos um dia e nos damos conta de que, a despeito de nossa vontade, a pessoa não está mais presente. 
                 A música foi escrita em homenagem ao irmão cego e, ao dizer, “remoto controle”, está afirmando que não temos controle sobre as circunstâncias e, por conseqüência, temos a possibilidade reduzida de agir sobre nossa vida desde o momento em que nascemos.

              Começaria a roda de samba com “Não Deixe o Samba Morrer” que conta a história de alguém que não pode mais fazer algo do jeito que costumava e o corpo permitia, então se contenta com outra forma de viver a experiência: “Quando eu não puder pisar mais na avenida e quando minhas pernas não puderem aguentar, levar meu corpo junto com meu samba, meu anel de bamba eu deixo a quem mereça usar”. E depois estoicamente conclui: “Eu vou ficar no meio do povo espiando, minha escola perdendo ou ganhando, mais um carnaval”.


              A roda de samba poderia continuar com Zeca Pagodinho e sua música “Deixa a Vida Me Levar”.

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