VIVER É ACEITAR
“Eu ando pelo mundo divertindo gente
chorando ao telefone
E vendo doer a fome dos meninos que tem
fome
Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
(Quem é ela? Quem é ela?)
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle.”
Adriana Calcanhoto – Esquadros
EPICTETO
"Não pretendas que as coisas ocorram como tu queres. Deseja mais o bem. Que se produzam tal como se produzem, e serás feliz."
Epicteto estava a olhar uma
figueira, quando chegou até ele um escravo que pertencia a um rico mercador
reconhecido pela descortesia com a qual tratava a todos. Como Epicteto ganhara
fama por sua sabedoria e bons conselhos, o escravo o procurara. A dúvida do
escravo era se devia ou não fugir.
- Mestre, sei que no passado fostes
um escravo. Sofro constantes agressões de meus amos e estou disposto a fugir.
Quero a liberdade. O que devo fazer? – Perguntou o escravo.
- Na vida, meu caro Lucílio, existem
dois grupos de coisas: as que podemos modificar e as que não podemos. Devemos
nos dedicar àquelas que podemos modificar e aceitar aquelas das quais não temos
ingerência. – Ensinou Epicteto.
- O que queres dizer? – Perguntou
o escravo, confuso.
- Observe aquele figo quase maduro –
falou Epicteto apontando para a figueira – há dias observo seu desenvolvimento.
Se eu o tivesse comido ainda verde, não seria tão proveitoso. É preciso tempo
adequado. Este é um exemplo de algo que não podemos modificar, pois devemos
esperar o tempo da natureza.
- Entendo o que dizes, mas qual a
analogia com o meu problema? Voltou a perguntar o escravo.
- Como bem dissestes, já fui escravo.
Também sofria agressões e cheguei a ter a perna quebrada por maldade de meu
senhor. Porém, percebi o lado bom de ser escravo que é o de não ter
responsabilidades além daquelas que o trabalho me impõe e isso me oportunizou
estudar nos momentos de ócio. Com o tempo tornei-me contador de meu senhor e
passei a fazer serviço leve. A maior parte de meus estudos se deu no tempo em
que estive com a perna quebrada. Aproveite o melhor de cada situação e use os
meios que te são possíveis para transformar a tua vida.
- Então, só me cabe aceitar a
condição de escravo? – Refletiu.
- Pense bem, não podes modificar
por conta própria o fato de seres escravo... É uma condição infeliz, eu sei,
mas podes tirar proveito disto. Estude, modifique aquilo que está a seu alcance
e aceite aquilo que não podes modificar. Não é sábio nadar contra a correnteza,
sábio é usá-la a seu favor. Se fugires, passarás toda a vida se escondendo como
um fugitivo com a cabeça a prêmio. Esta é a melhor hipótese, em caso de não ser
recapturado. Caso aconteça o infortúnio de te pegarem, o que seria o pior cenário,
encontraria um amo sedento por vingança. Nem tudo o que desejamos é necessariamente o melhor para nós, lembre-se disto...
- Entendi, mestre, vou seguir seu
conselho e tirar o melhor proveito possível desta minha triste condição.
- Observe aquele bezerro ali
embaixo no rio – falou Epicteto apontando para o rio que corria logo abaixo de
onde estavam – está tentando vir para a margem nadando contra a correnteza.
Coitado, falta-lhe inteligência. Se deixasse o fluxo do rio levá-lo chegaria
até aquelas pedras mais abaixo e sairia tranqüilo. Vamos ajudá-lo.
Foram até o rio e auxiliaram o
bezerro a sair em segurança. Então, Epicteto olhou para Lucílio e disse:
- O destino está sempre presente,
desde o nascimento até a morte, algumas vezes determinado, outras, em
construção...
LIÇÕES DO MESTRE
Epicteto viveu no
primeiro século após o nascimento de Cristo e pertencia a escola filosófica
Estoicista, que pregava aceitação diante das adversidades maiores para uma vida
mais feliz. O estóico Epicteto foi um escravo e um filósofo bastante
interessante e renomado em sua época, chegando a ser influência e mestre do
grande político romano Marco Aurélio. Epicteto costumava dizer que normalmente nosso
erro estava na interpretação e no julgamento que fazíamos dos fatos e não nos
fatos em si. A maior parte dos erros está em nós, pois ao julgar errado um
fato, não o conhecemos direito. Julgar errado é o mesmo que ignorar, pois não
se conhece verdadeiramente algo através de um julgamento errado. O principal
ensinamento de Epicteto, no entanto, reside em duas premissas: a de que devemos
modificar a coisas que estão ao nosso alcance, como é o caso, por exemplo, de
nossas vontades; e aceitar aquelas das quais não nos é permitido modificar,
como por exemplo, o corpo que temos. Hoje, as pessoas abarrotam as academias
procurando um corpo perfeito, ou fazem dietas prejudiciais à saúde ou, ainda,
procuram clínicas de estética, por vezes morrendo numa mesa de cirurgia, tudo
por conta de um descontentamento com o corpo que lhe foi dado pela natureza.
Outras procuram incessantemente por riqueza, esquecendo-se de que a felicidade
da conquista, quando raramente acontece, é ao custo de uma infeliz busca. Neste
caso, a interpretação que fizemos da riqueza suplantou sua realidade. Epicteto
é atualíssimo diante do descontentamento geral das pessoas e um convite a
refletir sobre nossos desejos, pois segundo ele, desejo e felicidade não podem
andar juntos.
Na Pista do DJ EPICTETO
Além da música “Esquados”, com trecho apresentado
no início, entraria na discoteca do DJ Epicteto, a música “Marvin” dos Titãs,
que diz: “Meu pai disse boa sorte com a
mão em meu ombro em seu leito de morte. E disse: Marvin, agora é só você e não vai
adiantar, chorar só vai me fazer sofrer...” .
A música conta a história de um jovem que se vê diante da morte do pai, sem nada poder fazer. O pai pede aceitação. Narra ainda as dificuldades pelas quais passaria o jovem em sua vida, uma repetição da vida sofrida do pai, numa alusão ao que disse o pai no leito de morte: “O seu destino eu sei de cor”.
A música conta a história de um jovem que se vê diante da morte do pai, sem nada poder fazer. O pai pede aceitação. Narra ainda as dificuldades pelas quais passaria o jovem em sua vida, uma repetição da vida sofrida do pai, numa alusão ao que disse o pai no leito de morte: “O seu destino eu sei de cor”.
A própria música “Esquadros”, de
Adriana Calcanhoto, já referida aqui, é uma reflexão do eu-lírico sobre a pouca
possibilidade de inferir nos acontecimentos ao afirmar: “quando acordei não vi
ninguém ao lado”, pois como afirma Epicteto, não podemos agir sobre a
vontade de quem quis ir embora ou de quem morreu, simplesmente acordamos um dia e nos damos conta de que, a despeito
de nossa vontade, a pessoa não está mais presente.
A música foi escrita em homenagem ao irmão cego e, ao dizer, “remoto controle”, está afirmando que não temos controle sobre as circunstâncias e, por conseqüência, temos a possibilidade reduzida de agir sobre nossa vida desde o momento em que nascemos.
A música foi escrita em homenagem ao irmão cego e, ao dizer, “remoto controle”, está afirmando que não temos controle sobre as circunstâncias e, por conseqüência, temos a possibilidade reduzida de agir sobre nossa vida desde o momento em que nascemos.
Começaria a roda de samba com “Não
Deixe o Samba Morrer” que conta a história de alguém que não pode mais fazer
algo do jeito que costumava e o corpo permitia, então se contenta com outra forma de viver a experiência:
“Quando eu não puder pisar mais na
avenida e quando minhas pernas não puderem aguentar, levar meu corpo junto com
meu samba, meu anel de bamba eu deixo a quem mereça usar”. E depois
estoicamente conclui: “Eu vou ficar no
meio do povo espiando, minha escola perdendo ou ganhando, mais um carnaval”.
A roda de samba poderia continuar com Zeca
Pagodinho e sua música “Deixa a Vida Me Levar”.
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