VIVER É SENTIR
"...E se virá
Será quando menos se esperar
Da onde ninguém imagina
Demolirá
Toda certeza vã
Não sobrará
Pedra sobre pedra..."
Será quando menos se esperar
Da onde ninguém imagina
Demolirá
Toda certeza vã
Não sobrará
Pedra sobre pedra..."
(A Cura - Lulu Santos)
Nietzsche expôs para os alunos
uma pequena perereca que havia capturado em um banhado próximo da escola.
Alguns alunos próximos levaram um susto ao avistarem o animal saltar,
provavelmente em busca de um local onde se sentisse mais confortável.
- Por que salta e se esconde a
perereca? – Perguntou Nietzsche.
- Está assustada com nossa
presença, por certo – Respondeu um dos alunos.
- A perereca, aqui, está em seu
ambiente natural? – Voltou a perguntar.
- Nãaaaaaaaaao! – Responderam em
coro.
- Pois bem, jovens, ouçam o que
eu tenho a dizer. – Continuou Nietzsche – Nós somos como esta perereca nesta
sala, pois vivemos fora do lugar. Desde que Sócrates impôs ao mundo uma forma
de viver invertida é que nós nos pusemos presos a regras e conceitos que nos
deixam infelizes, amargos, tristes e diminuídos em nosso potencial. O
racionalismo e, sobretudo, o cristianismo, com sua ética torta e virtudes
controversas, obrigam a todos a viverem contrariamente à nossa natureza...
- E o que a perereca tem a ver
com isso – Perguntou outro aluno, levantando o braço.
- Bom, nesta alegoria, eu, ao tirá-la
do habitat, sou a moral racionalista e cristã que obriga a perereca a viver num
ambiente que não é o seu, as pessoas são a perereca, o banhado é a emoção e, a
sala de aula, a razão. A perereca vivia bem no banhado, mas eu a tirei de lá e
a trouxe para a sala de aula, um ambiente hostil a ela. Comparando, estou
demonstrando que a moral racionalista e cristã obrigam as pessoas a viverem num
ambiente que não é seu. Bom seria viver segundo a emoção, que é onde estão as
nossas verdadeiras virtudes.
- Por que dizes que é na emoção
que estão as verdadeiras virtudes – Perguntou um terceiro aluno.
- Por que a emoção não nos obriga
a fazer o que não queremos, nem nos culpa quando fazemos algo que queremos. A
razão nos impõe culpa quando isto acontece, seja por fazer algo ou deixar de
fazer, porque possui regras que limitam nosso potencial humano e nos impõe
obrigações...
Percebendo que os alunos estavam ainda
confusos, Nietzsche resolveu contar-lhes uma história.
- Vou dar-lhes um exemplo: Um
homem ia se despedir de um amigo numa outra cidade, porque este partiria para
uma terra distante. Acontece que encontra outro homem, conhecido seu, já morto
à beira do caminho. A consciência social, ou a norma vigente é a de que o morto
deva ser enterrado no túmulo da família que se encontrava em sua cidade e cabia
a quem o encontrasse levá-lo até lá. Nosso caminhante se viu num dilema:
Cumprir com sua missão junto à sociedade, voltando o percurso e atrasando a
viagem, agindo assim conforme manda as normas sociais arriscando nunca mais ver
o seu amigo; ou ignorar o homem morto e seguir caminho. Sua consciência fez com
que levasse o homem morto nas costas até a família. Isto de fato atrasou a viagem
e tirou dele a possibilidade de se despedir do amigo e não mais o veria. O que
vocês pensam, agiu com correção o homem?
Os alunos assentiram
afirmativamente meneando a cabeça. Não houve entre eles exceção alguma, então
Nietzsche voltou a falar:
- Nesta história, devo
adverti-los, não está registrado o sentimento do homem. A perda da oportunidade
de se despedir do amigo causou nele ódio, repulsa, tristeza, amargura...
Cumpriu com os valores postos em sua consciência, mas e quanto à sua
felicidade? Alguns podem dizer que a felicidade está no fato de ter cumprido
sua missão junto ao morto e sua família, mas é uma felicidade falsa, pois não
foi uma decisão livre, mas obrigada pela consciência.
Ao terminar de falar, tocou o
sinal de fim de aula. Então liberou os alunos e foi catar a perereca num canto
da sala a fim de devolvê-la ao seu habitat. Pensava consigo: “Desculpe
amiguinha o medo que lhe impus. Mas não se vitimize tanto, a humanidade vive
isso desde que criou normas e regras racionalistas. Não se preocupe, vou
devolvê-la ao banhado”.
Foi quando olhou para a porta e
viu que seu amigo, Pe. Schuler, entrara na sala carregando sua grande batina
preta. Aproximaram-se e o abraço fez Nietzsche ficar escondido dentro da batina
e do abraço.
- Veio se confessar? – Perguntou
Nietzsche provocando o amigo.
- Na verdade sim. Uma paroquiana
vem me assediando há tempos e estou propenso a ceder à tentação. Não sei mais o
que fazer, pois tenho que cumprir os votos que fiz a Deus.
- Eu resolveria isto fácil, bem
sabes, pois não acredito em Deus. No entanto, tu acreditas e devo respeitar
isso. Devo dizer-te algo: teu voto não foi para Deus, foi para a igreja e os
homens. Afinal, teu Deus proíbe o sexo? – Perguntou Nietzsche.
- Lógico que não. – Respondeu o
padre
- Então, se o teu voto de
abstinência de sexo foi para Deus e ele não o proíbe, por que proíbes a ti
mesmo o que Deus não proíbe, dizendo que o fazes em nome Dele? Não faz sentido
algum. O voto é um peso que Deus, caso exista, certamente não quer que
carregues, pois um Deus verdadeiro haveria de querer-te feliz e não frustrado.
Provavelmente, este Deus não exigiria louvores e obediência, do contrário seria
um Deus mau. Já te disse em outras oportunidades: Desconfio de um Deus que não
dança. – Concluiu Nietzsche.
- A velha história do homem que
carrega outro já morto nas costas... – Analisou o padre – Ainda a contas aos
alunos?
- Sim. Acabei de contar a eles. –
Confessou o professor.
- vejo que está com a perereca
também...
- Estava agora indo ao banhado devolvê-la
ao seu lugar. Lá ela é feliz.
- Quer saber – respondeu o padre
– penso que tens razão...
- Não – corrigiu Nietzsche brincando
– Eu tenho emoção...
Então, o padre, num gesto teatral
e para espanto do incrédulo Nietzsche, tirou a batina e saiu porta afora nu e gritando:
“Eu sou livre! Eu sou livre!”
LIÇÃO DO MESTRE
A grande contribuição de Nietzsche foi mostrar as incompatibilidades da
moral vigente em sua época e desnudar a hipocrisia. Foi crítico do racionalismo
e do cristianismo, por observar em suas normas verdadeiras prisões, pois não
via valor nas virtudes idealizadas por estas vertentes, porque elas impediam as
pessoas de serem felizes, uma vez que impunham culpa, desespero, mágoa,
obrigação... Defendia a volta dos valores dionisíacos, representado pelo deus
Dionísio e seus valores vividos na antiga Grécia. Em outras palavras, viver
conforme querem os racionalistas e cristãos é podar todo o potencial humano; o
controle da emoção, neste caso, é maléfico à felicidade humana. Assim, perde-se
a liberdade em nome de uma consciência coletiva, apequena-se em nome de uma
bondade falsa e hipócrita. Deixa-se de fazer o que se quer por medo do castigo
de um Deus que exige louvores e sacrifícios. A questão não é se existe Deus,
como afirmou ao dizer: “Deus está morto”, mas o fato de que este Deus castiga,
humilha e cobra louvores. Ao dizer: “Desconfio de um Deus que não dança”,
Nietzsche expõe a sua contrariedade. Isto pode nos levar a pensar: Por que Deus
iria querer que vivêssemos pesadamente em virtude do outro, compromissado em
seguir normas que não se adequam ao bem viver humano? Talvez a resposta esteja
na chamada vida eterna, onde o sofrimento aqui geraria recompensa posterior.
Neste caso, por que apenas a partir do racionalismo e da vinda de Jesus
passou-se a valer tal disposição? Por que depois de milhares de anos é que Deus
procuraria o homem para uma aliança, já que antes as civilizações eram
politeístas e viviam sem este Deus? A resposta, talvez, seria uma intervenção
de Deus na humanidade por conta dos desvios desta, segundo afirmam a Bíblia e
os cristãos. Então, porque a intervenção de Deus não resolveu os problemas com
estes desvios, já que hoje ainda impera a maldade ou, pelo menos, não menos do
que havia antes? Por isso Nietzsche propõe que voltemos a viver livremente,
segundo nossas emoções, pois viver segundo a razão é contrariar-se a si mesmo.
Na pista do Dj
Nietzsche
Nietzsche
valoriza a emoção e nos convida a destruir o ideário racionalista, então,
propõe celebrar a vida através da emoção.
Começaria
mostrando as garras com a música “Sereníssima” que diz: “sou um animal sentimental me apego facilmente ao que desperta o meu
desejo, tente me obrigar a fazer o que não quero e você vai ver o que
acontece...”
Depois
haveria a celebração da vida com muita dança. A vez seria dos Menudos cantando
“não se reprima, não se reprima...” e
do grupo Dominó cantando “Companheiro,
companheiro vem, vem no balanço do mar, vem depressa vem, é tão gostoso
dançar...”
Madonna
seria a atração internacional cantando músicas como “Like a Virgen” e “American
Pie” que diz: “Você escreveu o livro do
amor? E você tem fé em Deus se a Bíblia mandar? Agora, você acredita em
Rock’n’Roll? A música consegue salvar sua alma? E você pode me ensinar a dançar
bem devagar?” e finaliza dizendo: “Os
bons e velhos rapazes estavam bebendo uísque e rye cantando ‘é neste dia que eu
morrerei’... Começamos a cantar.”
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