sexta-feira, 6 de maio de 2016

DIÓGENES E O BEM VIVER




viver é (Re)Naturalizar




"Tudo em vorta é só beleza
Sol de abril e a mata em frô
Mas assum preto, cego dos óio
Não vendo a luz, ai, canta de dor...
Tarvez por ignorança
Ou mardade da pió
Furaro os óio do assum preto
Pra ele assim canta mió..."

(Luiz Gonzaga -  Assum Preto)



         Diógenes havia acabado de banhar-se no riacho e agora estava ao sol, nu, deitado na relva aquecendo a pele. Para ele, a melhor, a mais honrada e verdadeira forma de viver era em contato com a natureza, livre, tendo por testemunha o céu. Da chuva e do frio, protegia-se num barril, comia do que a natureza lhe provesse. Costumava dizer que lhe bastava o que cabia em seu prato diariamente, sem se preocupar com o futuro, pois assim viviam os cães em sua sinceridade natural e nós em nada deveríamos nos diferenciar destes animais. A sociedade, com seus mecanismos estruturais, tornara-se artificial e danosa à liberdade individual, tornando falsa a nossa vivência, pois a pomposidade social é estúpida, quando tudo é tão natural e tão simples. A luta por uma grande casa e bens diversos, além de serem contrários à nossa natureza, nos acorrentam em frágeis estruturas sociais que mais dividem do que unem.

        Por ser livre é que Diógenes se dava ao luxo de estar nu. No entanto, era hora de ir à cidade e, no mínimo, deveria participar do decoro coletivo, um dos poucos costumes sociais aos quais se rendia. Então vestiu sua túnica mesmo a contragosto e se pôs a caminhar. Chegou à entrada da cidade e parou, olhou para os cães à sua volta e disse:

         - Vejam com seus olhos a construção da falsidade humana. A origem da sua perdição.

         Já na cidade, um homem abastado lhe chamou da porta de sua casa. Diógenes olhou para os lados para se certificar de que era com ele:

         - Ei, você, você mesmo, venha aqui. - Disse o homem.

         Diógenes, então, entrou no pátio e chegou à porta.

        - Hoje orei aos deuses e pedi algo - Falou o homem a Diógenes - Comprometi-me a dar pães frescos a alguém faminto e quero dá-los a você.

       Diógenes sentiu o cheiro dos pães vindos da fornalha. Como era adorável aquele cheiro! E Diógenes não havia ainda comido naquela manhã, mas se tinha algo maior que sua fome era sua reconhecida forma de encarar o modelo de vida primitiva que defendia como sendo a única forma honrada de viver.

      - Agradeço pelos pães, mas devo recusar – respondeu Diógenes.

     - O que há de errado com os pães? - Perguntou o homem - Se você não aceitar talvez os deuses se sintam desobrigados comigo.

     - Não há nada errado com os pães, mas há com seus deuses e a sua barganha. Porém, não se aflija, sua preocupação é vã porque os deuses estão desobrigados de você de qualquer jeito, se é que existem. Além do mais, minha ética não permite fazer parte de uma caridade viciada em sua origem. Constrange-me participar de tal teatro. Valeria mais a pena eu parar em frente a uma estátua e pedir-lhe algo, sei que não ganharia nada, no entanto, com ela pelo menos seria mais verdadeiro, pois eu sei que não obteria nada, mas também sei que não haveria caridade falsa advindo dela.

      - Eu te ofereço pães e em troca me ofendes? – Disse-lhe o homem.

     - Eu o estou salvando de cometer um erro – disse por fim Diógenes, afastando-se com seus cães.

     Diógenes e seus amigos caninos chegaram à praça pública. Diógenes sentou-se na relva rodeado pelos cães e ficou a observar a paisagem. Queria mesmo era despir-se para aproveitar o sol em sua totalidade.

        - Vejam meus amigos – falando aos cães – como os humanos se comportam. Fingem fino trato, caridade, bondade… Tudo ilusório, miragem que eles fingem ser real. Olhem aquele casal ali, não são como vocês, ficam presos a uma relação fingindo ser felizes. Vocês não! Vocês são livres. E eles fazem isso para satisfazer a sociedade. Abandonam sua natureza para viver uma mentira consentida, mais que isto, obrigatória. Vale muito mais a amizade, pois esta não cobra nada, apenas ama. E este é o amor verdadeiro!

       Depois de uma pausa, Diógenes olhou para os cães, sentindo uma certa inquietação.

  - Estão com fome? Será que fui egoísta em não aceitar os pães? Eu podia pegar e dá-los a vocês por que, diferentemente de mim, vocês não precisam se constranger, nem se preocupar em denunciar as mentiras sociais. Vocês não têm consciência! No entanto, peço que  vejam o meu lado… Se assim eu procedesse, iria contra tudo o que prego e isto me faria tão falso aquilo que denuncio… Façamos o seguinte: voltamos a casa daquele senhor e pedimos os pães, porém devemos deixar bem claro que os pães são para vocês. Os tais deuses não deverão se importar a qual fome os pães irão saciar, se a minha ou as suas.

         Diógenes e os cães voltaram à casa do senhor que oferecera os pães. Bateu à porta e foi o próprio homem de antes quem a abriu.

         - Olá, o senhor ainda tem os pães que a pouco me ofereceu? – Perguntou Diógenes.

         - Sim, agora os quer? – Respondeu o homem, indignado.

        - Quero, mas não são para mim, são para meus cães que estão famintos. Eles não se importam com suas motivações e seus acordos com os deuses.

         - Insolente! – esbravejou o homem.

      - Por acaso os cães não sentem fome, tanto quanto qualquer humano? Qual a diferença entre matar a minha fome e a fome deles? – Indagou Diógenes -  Em nada me sinto melhor que eles, muito antes pelo contrário, assim como são melhores que você. Veja esta sua casa, é tão suntuosa e limpa que não há onde cuspir, a não ser na sua própria face, que é o que há de mais sujo e falso por aqui.

       O homem bateu a porta e Diógenes voltou à praça. Acendeu sua lamparina e a pendurou na árvore enquanto sentava-se aproveitando a sombra, já que a esta hora o sol aquecia com maior vigor. Pegou uma maçã que guardava consigo e se pôs a comer. Os cães procuravam seu alimento na praça. Um ateniense que passava achou curiosa a cena.

       - Por que esta lamparina está acesa em plena luz do dia? – Perguntou ele.

       - Quero que ela me ajude a identificar um homem que seja decente. – Respondeu Diógenes.

       - Como assim? Não lhe parece inútil os fachos de luz desta lamparina em plena luz do dia? – Voltou a perguntar.

       - Sim! Como é inútil o propósito dela, porque não há como encontrar alguém decente em Atenas. Por isso a acendo em plena luz do dia, como um símbolo da indecência que ninguém vê e todos vivem, concordando com este viver. Por outro lado, a lamparina simboliza a esperança de que as pessoas se libertem desta prisão, representada pelos costumes e seus usos. – Respondeu Diógenes

       - Pensas então que vives melhor que eu, por exemplo, que tenho casa, carruagem, escravos, bens e dinheiro, enquanto dormes num barril, vives na praça, sem dinheiro, sem nada?...

         - Se este nada a que te referes for minha dignidade, já tenho mais que você... – Respondeu Diógenes.

           - Então, julga-te como alguém melhor que eu?

         - Meu cajado, minha túnica e minha lamparina respondem por mim. Ser melhor não significa ser bom e viver melhor não significa viver bem. Antes de sermos melhores, devemos procurar ser bons e, antes de viver melhor, devemos viver bem...

     O homem, que até então não entendia bem a filosofia de Diógenes, a escolha desta forma rude de viver, já que o tinha como um sábio e, portanto, com capacidade de possuir bens, começou a refletir mais profundamente sobre a intenção do filósofo, sobre o que ele queria ensinar. Passou a perceber que viver melhor, ou seja, ter conforto, não significava necessariamente, viver bem. Sempre colocava ambas as coisas como se fossem uma só, mas agora Diógenes o pusera de frente consigo mesmo.

       - ...Pensas que ter uma casa é algo bom? – Continuou Diógenes enquanto o homem à sua frente ainda pensava – Que todos os teus bens são capazes de te fazer feliz? Aposto que és casado! Pense em quantas coisas perdestes para seguir este modelo social... Olhe meus amigos cães, não precisam nada disso. Agora, Pense sua vida como aquele pássaro dentro daquela gaiola pendurada na tenda ali à frente. Muitas vezes o dono da gaiola abriu a portinhola, mas o pássaro chega até à saída e volta para dentro e, mesmo quando sai, fica gravitando em torno da gaiola, por causa do alimento ali dentro. Podemos dizer que o pássaro preso vive com mais conforto que qualquer pássaro solto, pois este precisa lutar pelo alimento. No entanto, o pássaro solto é quem vive a boa vida em sua plenitude, porque é livre; precisa lutar pela sobrevivência, mas é livre...

      - Por que então o pássaro da gaiola não vai embora quando liberto? É sinal que o conforto e a segurança lhe fazem bem... – Perguntou o homem.

      - Não é uma preferência, é a força do medo. O pássaro da gaiola perdeu a naturalidade de outrora e agora a prisão é sua única vida disponível. Você formou família e tomou uma responsabilidade que lhe causa pânico, tens uma casa e precisa cercá-la... Você vive com medo de perder o que possui, vive em função da preservação do futuro e não vive o presente... Isto não é vida! Seus referenciais foram alterados, assim como os referenciais da sociedade. O senso de liberdade foi perdido e a sociedade é uma grande gaiola. Dá-nos conforto, mas nos arranca a naturalidade e a liberdade, pois não vivemos mais para nós.

        - Entendo o que queres dizer – disse o homem – mas não sei se estou disposto a deixar minha gaiolinha – brincou – e..., a propósito, amo minha esposa... – Complementou ao sair.

       - Não duvido disso, mas que és um prisioneiro, tal e qual aquele pássaro, isto tu és!

     Ao final da tarde, Diógenes estava novamente saboreando os raios do sol, quando algo lhe fez sombra. Era ninguém menos que o imperador Alexandre Magno, o grande conquistador, que lhe dirigiu a palavra:

- Sei que és um grande sábio, por isso vou te dar o que me pedires. Peça e dar-te-ei! Ofereceu o grande conquistador.
Sem se importar muito com a imponência da figura imperial e fiel ao seu conceito de bem viver, Diógenes, em sua peculiar irreverência, respondeu:

          - Peço apenas que não me tires o que não podes me dar. Peço que se afaste um pouco para lado, não faça sombra e me devolva o sol.

        Um dos comandados de Alexandre, tomando por insulto, fez menção de retaliar Diógenes, gesto interrompido por seu comandante.

         - Não o faça!  - Repreendeu Alexandre - Não vi, em todo meu reino sabedoria igual. Se eu não fosse Alexandre, gostaria de ser Diógenes.


LIÇÕES DO MESTRE

              Diógenes foi uma figura singular. Vivia num barril, saía com uma lamparina acesa durante o dia dizendo procurar alguém decente, pedia esmola às estátuas, masturbava-se em plena luz do dia em praça pública... Era chamado de “Sócrates louco”. Levou ao extremo a filosofia dos cínicos, corrente filosófica que pregava a volta da naturalização do homem, para eles, quebrada pela descoberta do fogo e o uso da técnica, criando necessidades não naturais, diferenciando um homem de outro, causando com isso a consequente escravidão, uma sociedade com senhores e serviçais. Em uma frase resume seu desprezo ao afirmar que "na casa de um rico, de tão limpo o chão, não havia onde cuspir, a não ser na própria cara do sujeito". Assim, Diógenes, de forma radical, tentava mostrar sua filosofia. Desprezava a organização civil, dizendo ser uma farsa. Sentia-se cosmopolita, um cidadão do mundo, pois a liberdade é o sentimento humano mais valioso, sendo a sociedade civil, com seus usos e costumes, um inibidor desta liberdade. Diógenes, portanto, ensina primeiro que o cidadão ético é inquebrantável em sua conduta e a vida boa se dá quando não há falsidade, sendo maior falsidade aquela que infringimos a nós mesmos quando aceitamos esse modelo de vida voltado a suprir as necessidades criadas a partir de uma determinação social. Ensina ainda que nossa natureza é simples e precisamos de pouco para viver. Não precisamos viver da forma como a sociedade quer que vivamos; antes, devemos viver da forma como nos agrada.



 Na Pista do DJ Diógenes


              A festa do Dj Diógenes poderia começa com a música de Baby Consuelo e Pepeu Gomes, “Sem Pecado e Sem Juízo” que, como diz o título, prega o desprezo à moral dos homens. A letra diz: “Aqui nessa cidade, o por do sol e a paisagem, vêm beijar luar, doar felicidade...”, sem preocupações com o amanhã ou o julgamento das outras pessoas.

              Seguiria com Lulu Santos e a música “Tudo Azul” que começa dizendo: “Tudo azul, todo mundo nu, no Brasil, sol de norte a sul...”  e termina: “...sou flagelado da paixão, retirante do amor, desempregado do coração.”

              Titãs teria lugar trazendo “Capitalismo Selvagem”, que diz: “...Eu me perdi na selva de pedra...”, que vem ao encontro da filosofia de Diógenes de desprezo à civilização civil e suas construções.


              A banda Ultrage a Rigor seria a estrela da festa, pois o próprio nome já é uma contestação ao modelo social com seus usos e costumes. Apresenta músicas como “Inútil”, que brinca com nossa vontade de fazer e ter as coisas, e a música “Nós Vamos Invadir Sua Praia” que diz: “...Separa um lugar nesta areia, nós vamos chacoalhar a sua aldeia, mistura sua laia ou foge da raia, sai da tocaia, pula na baia, agora, nós vamos invadir sua praia...” , além de “Pelado”, que afirma: “...Sem roupa, sem saúde, sem casa, tudo é tão imoral, a barriga pelada é que é a vergonha nacional...”.

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