terça-feira, 24 de maio de 2016

PARMÊNIDES E O BEM VIVER



Viver é Eternizar

 


           
“Não te trago ouro
Porque ele não entra no céu 
E nenhuma riqueza deste mundo 
Não te trago flores
Porque elas secam e caem ao chão
Te trago os meus versos simples 
Mas que fiz de coração“
(Chimarruts)





PARMÊNIDES

“O ser é e o não-ser não é”

"Pois pensar e ser é o mesmo"

“Não importa por onde eu comecei, pois para lá eu voltarei sempre.”



         Acrone estava defronte ao espelho que ganhara de Heráclito há cinquenta anos. Ficara viúva e agora estava só, novamente só. O espelho é uma lembrança muito forte, pois foi o primeiro presente que ganhara de Heráclito, justamente no dia em que aceitou o seu cortejo. Cinquenta anos se passaram e o espelho permanecia com ela, ao contrário dos ramalhetes de flores que Heráclito trazia em suas inúmeras e primordiais tentativas de namoro; e do próprio Heráclito que há um tempo se fora. As lembranças também continuavam presentes a ponto de Acrone ter vivas as palavras de Heráclito de que o espelho era para que ela lembrasse todos os dias da existência da beleza… e… da feiúra, pensava agora.

Resultado de imagem para imagem de idoso no espelho           Com certeza um galanteador – pensou Acrone consigo – Agora a imagem que via no espelho não condizia com as palavras de Heráclito e, ironicamente, condizia com sua filosofia de que tudo muda, tudo passa… Talvez Heráclito estivesse aplicando sua teoria à ela, quando lhe deu o espelho. Agora a imagem que Acrone via mostrava uma pele flácida e enrugada, cabelos maltratados e tristeza no olhar, muito diferente da imagem jovial de quando ganhara o espelho, exceto pela tristeza no olhar, que continuava a mesma do dia em que foi presenteada, pois o lugar que Heráclito supunha preencher na verdade ocupava um lugar ao lado. A alegria de um novo amor não estava inversamente proporcional à tristeza que ainda sentia. Irritada com a atual opinião do espelho sobre ela, Acrone o virou para a parede a fim de não mais ouvi-lo, pois sua voz soava estrondosamente dolorosa.

           Nem percebeu, em sua ira, que postado em frente à porta aberta estava um homem de mais ou menos setenta anos. Ao virar-se levou um susto:

           - Quem é você? – Quis saber Acrone

           Avançando dois passos, o homem lhe falou:

           - Um velho amigo...Não me reconhece?

          Acrone levou a mão ao peito ao reconhecer o homem que estava à sua frente, espantada com a aparição, mal conseguia balbuciar palavra alguma.

            - Parmênides!?

           Como era possível Parmênides estar ali se, segundo lhe informaram, havia morrido a mais de cinquenta anos na Macedônia? Depois de muito tempo estava à frente de Acrone seu primeiro e grande amor. O mundo dera um giro e voltara ao ponto inicial. Como pode? – pensou.

           - Por onde andou? Por que sumiu? Por que me abandonou? – Conseguiu finalmente falar Acrone, fazendo com que as perguntas saíssem automaticamente.

  - Calma – pediu Permênides – Eu explicarei o que aconteceu! – Falou, pegando nas mãos de Acrone.

           Parmênides recuperou o fôlego, olhou nos olhos de Acrone e começou a esclarecer sobre seu sumiço por tantos anos.
           - Assim que cheguei na Macedônia, caí preso, confundido com um inimigo do reino. Fiquei incomunicável por dois anos, por isso não consegui contato contigo. Depois que me libertaram, ao se darem conta do engano, voltei, mas soube que você não me esperou, já se encontrava casada com Heráclito…

           Acrone esbouçou interromper Parmênides, mas ele fez um gesto com as mãos de que iria continuar falando:

            - Não a culpo, Acrone, afinal, eu havia desaparecido. Você precisava seguir em frente. Então, resolvi não aparecer novamente, deixar sua vida fluir, como dizia Heráclito.

            - A informação que tínhamos é de que você havia morrido – esclareceu Acrone – prestei luto por um ano inteiro. Se eu soubesse, haveria de te esperar.

           Então Parmênides e Acrone não seguraram seus impulsos, se abraçaram e, quando menos esperavam, os lábios se encontraram mais de cinquenta anos depois do primeiro beijo. A textura dos lábios se modificara, mas o sabor permanecia o mesmo.

            - Agora que estou velha – falou Acrone, depois que os lábios se desgrudaram – tenho a oportunidade de gozar da sua companhia. Parece injusto, já que temos tão pouco tempo!

            - O tempo, como tudo que existe, é eterno e imutável – Filosofou Parmênides – Tal como permaneceu eterno e imutável o nosso amor.

            Então Acrone foi até o espelho que ganhara de Heráclito e novamente o virou, desta vez para si.

            - Quando Heráclito me deu este espelho eu conseguia ver através dele alguém jovem e bela… - Lamentou Acrone, mostrando a Parmênides que ela não era mais a mesma de antigamente.

            - E o que vê agora? – Interrompeu Parmênides.

            - Flacidez, rugas… Como Heráclito dizia: tudo muda, tudo se transforma…

Resultado de imagem para imagem de idoso no espelho            - Menos a opinião dele e… para ser justo, a minha… Ainda lembro de nossos embates sobre o assunto. Heráclito olhava o mundo como o público olha a atuação de um mágico e não percebia os truques da natureza. Tudo no mundo físico é transitório e passageiro porque são observados pelos sentidos. Não confie nos sentidos, Acrone! Eles nos enganam. O ser é e o não ser não é, pelo simples fato de que a essência de algo é eterna e imutável, como o ser é sua própria essência, também o ser, qualquer ser, é eterno e imutável.

        - Mas o espelho me diz o contrário… - Falou ironicamente Acrone, um tanto contrariada com a imagem refletida.

           - Olhe novamente, encare-o – Falou Parmênides segurando os ombros de Acrone – Não observe a imagem com olhos da face, eles nos enganam… Observe com os olhos da alma. Assim, chegará a conclusão de que a Acrone jovem e a Acrone de hoje são exatamente a mesma pessoa. As opiniões, a maturidade, não transformaram este ser chamado Acrone numa outra pessoa, pois a essência permanece inalterada desde seu nascimento. Olhe sempre o mundo com os olhos da alma… Ponha alma nas coisas para que façam sentido, senão sua vida não será mais que um truque de mágica. Não há sentido em confiar nos sentidos! – Falou Parmênides sem se conter em fazer o trocadilho – Se você der importância ao que é transitório, como as rugas, por exemplo, realmente não poderá ser feliz, porque estará ressaltando a finitude, a morte; se por outro lado, der mais importância ao que está dentro de você, o infinito será revelado por sua alma e a fará feliz. Não dê importância ao existencial, que se apresenta e some, dê importância ao essencial e se tornará eterna.

Resultado de imagem para imagem de casal de idosos           Então Acrone percebeu que Parmênides ainda a amava com o mesmo fervor de antes e que ela sentia o mesmo em relação a ele. A alegria voltou a habitar seus olhos como se fosse um passe da mágica, desta feita uma mágica eterna. Virou-se para Parmênides e novamente se beijaram. Então, como antigamente, se amaram ali mesmo, em pleno assoalho onde tudo começou… E foi como se o tempo não tivesse passado.


LIÇÕES DO MESTRE:


Parmênides contrapôs Heráclito em sua visão mobilista, afirmando que as transformações não passam de enganos dos sentidos, pois o ser é eterno enquanto ente existente, mesmo que seja finito em si mesmo, pois ele começa e termina exatamente com os mesmos atributos, ou seja, cada ser é o que é, sem nada ser acrescentado ou modificado, pois do contrário deixa de ser o que é e passa a ser outra coisa. Em outras palavras, afirma que não podemos confiar nos sentidos. Não importa quantas vezes uma pessoa entra num mesmo rio, ambos serão sempre os mesmos, pois rio é rio e pessoa é pessoa e sempre assim serão, os sentimentos brotados em cada banho não passam de momentos passageiros.
Se levarmos esse pensamento para a questão do ser humano, veremos que Parmênides valoriza a essência, o interior, a introspecção e o pensamento. Se, por exemplo, colocarmos lado a lado um indígena e um asiático e analisarmos à luz da filosofia de Heráclito, diremos que ali estão um indígena e um asiático, ressaltando as diferenças, um essencialmente indígena, outro essencialmente asiático. Se a mesma análise for feita à luz da filosofia de Parmênides diremos que estamos diante de dois seres humanos, ressaltando o que os une, a sua essência primordial, e não o que os divide.
Assim, cultivar a essência e se importar com as coisas duráveis é a grande lição do mestre Parmênides para nossa vida. Que seja verdadeiro cada amor, cada ato, cada beijo, cada toque... Não há espaço para momentos efêmeros e desprovidos de sentidos. Ensina ainda que somos todos iguais e, se assim somos, temos a capacidade de ser o que o outro é, sem deixar que nos façam diminuídos ou derrotados. Assim, cada vez que o abatimento se aproximar, saiba que a força está em seu interior e é ali que estará a solução, por mais ou menos rugas que o espelho lhe mostre.



Na Pista de Parmênides

O Dj Parmênides traz à pista um momento de introspecção e monotonia.

Pode começar com “Por enquanto” da Legião Urbana que, embora traga em seu título a volatilidade das coisas passageiras e faça um jogo constante entre o efêmero e o eterno, termina por afirmar: “estamos indo de volta pra casa”, pois como afirma Parmênides, tudo volta ao início.

Segue tocando “Flores” do Titãs, pois mesmo que morram todas as flores naturais, como afirma a música, a ideia fica, seguindo a máxima de Parmênides de que “pensar e ser são o mesmo” e, como diz a música, “as flores de plástico não morrem”.

Também tem espaço para “Planeta Água” de Guilherme Arantes ao afirmar: “Águas que movem moinhos são as mesmas águas que encharcam o chão e sempre voltam humildes pro fundo da terra”.

O Dj também está atento a um romance que pode pintar na pista, então pode rolar a Sandy cantando: “por ser imortal, não morre no final...” ou “Me leva”, do Tim Maia que diz “com você no verão, primavera, outono ou inverno, nosso caso de amor tem sabor de sonho eterno”.

Ainda rola Cazuza quando fala “amor da minha vida, daqui até a eternidade”.

O som da Banda Catedral será o mais executado com músicas como “Eu amo mais você do que eu” que traz frases do tipo “a verdade é absurda no plural” e “penso infinitamente sem parar, a verdade é transparente no mirar da tua retina, minha menina”; ou como a música “Atemporal” que afirma: “Eterno enquanto dure tem um final, mas meu amor por você é atemporal”, contrapondo-se a famosa frase heraclitiana de Fernando Pessoa sobre o amor ao dizer ser eterno enquanto dura.

A playlist com as músicas internacionais contém My Way (Eu planejei cada caminho do mapa, cada passo, cuidadosamente, no correr do atalho) e One, do U2, merecendo um bis com a versão de Jonnhy Cash.


Nesta pista o som é o da eternidade, que ressalta os sentimentos duradouros, levando-nos a refletir sobre a eternidade e dançar ao rodopio de uma sensação nostálgica que de repente nos acomete: Somos tão jovens...

Um comentário:

  1. Gostei imensamente da sua narrativa. Já faz alguns dias que estou com essa frase rondando meus pensamentos “Não importa por onde eu comecei, pois para lá eu voltarei sempre". São muitos questionamentos, muitas dúvidas ao adentrar nesse adorável mundo filosófico. Parmênides em contraposição ao pensamento de Heráclito e eu no meio desses dois gigantes em busca de respostas. Foi assim que cheguei aqui e saio agradecida pela sua análise. A palavra essência primordial parece ser a grande chave desse portal, pois se a constante mutação é um fato, e se pensarmos que para tudo tem um oposto, então o imutável passa existir.

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