quinta-feira, 26 de maio de 2016

PLATÃO E O BEM VIVER










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          Viver é Idealizar


“Vamos fugir deste lugar, baby!
Vamos fugir…
… Pra onde eu só veja você
Você veja a mim só…
… Qualquer outro lugar comum
Outro lugar qualquer…
… Qualquer outro lugar ao sol
Outro lugar ao sul
Céu azul, céu azul
Onde haja só meu corpo nu
Junto ao seu corpo nu…
… Vamos fugir
Pra onde haja um tobogã
Onde a gente escorregue…”
(Gilberto Gil)


Na pista: Os que são capazes de sonhar.



PLATÃO


“Quem ama extremamente, deixa de viver em si e vive no que ama.”

“O que faz andar o barco não é a vela enfunada, mas o vento que não se vê...”

“O corpo humano é a carruagem. Eu, o homem que a conduz. O pensamento, as rédeas. Os sentimentos, os cavalos.”

"O corpo é o cárcere da alma, que anseia em se libertar dele"


           Platão havia chorado a morte de seu mestre Sócrates com desconsolo e tristeza imensuráveis. Em uma das mãos segurava uma adaga e no coração uma vontade de jogar-se sobre ela a fim de dar cabo também de sua vida, que agora parecia não mais fazer sentido, tamanho seu desprezo pela injúria social sofrida por seu educador. O que fez com que não tomasse a decisão de matar-se foram os ensinamentos do mestre, pois aprendera que não poderia ser injusto com os deuses que lhe deram a vida de presente. Então, pensou que dali por diante haveria de dar sentido a esta sua vida. Haveria de escrever para a posteridade o que aprendera de Sócrates, um propósito bem maior que o suicídio pensado até há pouco e uma forma mais honrosa de lidar com tamanha dor. As palavras finais do velho mestre, pautadas pela certeza do justo julgamento dos deuses, antes de morrer, serviam de alento ao coração do jovem Platão.

           Tempos depois estava a ensinar em seu educandário sobre o espaço da razão como timoneira de nossas decisões, suprimindo os enganos dos sentidos. Contava aos alunos sobre um homem que fugira das cavernas, lugar onde ele os demais prisioneiros só conheciam as sombras dos seres que eram projetadas em seu fundo. Vencera o poder do medo do mito que se espalhara de que quem deixasse a caverna ficaria louco, não podendo mais retornar, pois a loucura era contagiosa. O destemido homem, sem dar ouvidos a este mito, partiu rumo ao desconhecido e descobriu um mundo novo fora da caverna, cheio de luz. Ansioso por contar a novidade aos outros habitantes da caverna, correu de volta para ela a fim de libertar aquelas pessoas do mundo das sombras. Chegando lá, eles o receberam como um louco e, precavidos pelo medo de se contagiarem com tal loucura, o mataram.

              - Este homem, meus jovens, era Sócrates, que tentou mostrar a todos um caminho de luz; no entanto, Atenas preferiu matá-lo à seguí-lo. – Discursou Platão.

              Os alunos ainda continuavam embevecidos com a história contada, então Platão continuou a falar de sua tese da existência de dois mundos distintos: o Mundo das Ideias, de onde se origina a alma e o Mundo dos Sentidos, próprio do corpo. Segundo sua tese, para cada ser existente no Mundo Sensível existe eternamente um ser perfeito no Mundo das Ideias, ou seja, os seres existentes no Mundo Sensível são cópias imperfeitas do Mundo das Ideias. A alma ao descer para o corpo esquece das coisas belas e no decorrer da vida passar por um processo de reminiscência, pois vendo as cópias vai relembrando dos seres perfeitos existentes no Mundo das Ideias. Enquanto isso, o corpo seria a prisão da alma, que anseia em voltar para o mundo das ideias. Em outras palavras, só se pode ser feliz nesta outra dimensão, num mundo idealizado, onde só a razão, assim como a alma, pode alcançar.

Resultado de imagem para imagens de sonhos realizados              - As sombras da caverna representam os sentidos. Não devemos nos deixar guiar por eles porque não são confiáveis, não são reais... São como as sombras projetadas e, portanto, não podem ser fontes do conhecimento. Em outras palavras, não devem ser leme para a direção de nossas decisões; antes, devem estar pautadas pelo leme da razão.

              Um de seus alunos, porém, não estava convencido por completo do que Platão acabara de falar e arriscou contrariá-lo:

              - Mestre, amo-o, bem sabes... – tomou a palavra Aristóteles – Mas como você próprio nos ensinou, devo amar mais a verdade. Não consigo fazer esta separação entre corpo e alma, pois somos um todo. É certo de que a razão deve ser a condutora de nossas ações, pois é sua tarefa controlar os instintos e as paixões. No entanto, não há nada da qual conhecemos que não tenha passado pela experiência dos sentidos.

              - Você concorda que todo conhecimento, para ser tratado como tal, deva ser verdadeiro? – Perguntou Platão.

               - Com certeza mestre, todo conhecimento só pode ser visto como tal se for reconhecidamente verdadeiro e bem fundamentado. – Respondeu Aristóteles.

               - Então, entras em contradição, pois confias nos sentidos como meio de conhecimento, mas não confias neles para guiar sua vida. Pois bem, faço uma pergunta à turma – propôs Platão – quantos aqui gostam mais do inverno que do verão?

                A turma se dividiu mediante as alternativas, uns preferindo o verão e outros o inverno, cada qual alegando o motivo da preferência. Então, Platão voltou a perguntar:

                - Quantos preferem maçãs a uvas?

                Uma nova divisão de opiniões se estabeleceu.

                - Como podem observar, os sentidos não são um meio seguro de se estabelecer uma verdade, já que eles se tornaram fonte de distintas opiniões;  portanto, não podem ser visto como meios de conhecimento irrefutável. Os sentidos nos dão recursos para uma opinião tão somente, não mais do que isto.

                - Mas os sentidos são os instrumentos que nos levam a conhecer os cheiros, os sabores, os odores... - Continuou Aristóteles.

                - Os sentidos apenas reproduzem um conhecimento que já temos dentro de nós através da alma. Nós já conhecemos tudo através dela e cada coisa que experimentamos é apenas uma forma de relembrá-la do bem, da beleza, da justiça, do amor e tantos outros valores que nascem com a gente. - Explicou Platão.

                - Pois eu penso, apesar de crer que há atributos essenciais a cada ser, que precisamos ser educados para a virtude, pois não somos virtuosos por natureza, mas aprendemos a sê-lo através da educação. Nossa alma precisa, assim como nosso corpo, passar pelos mecanismos da educação para tornar-se também ela virtuosa.

                Aproveitando que a aula era ao ar livre, Platão, como de costume, usou elemento ali presente para defender sua tese:

Resultado de imagem para imagens de barcos                - Estão vendo aquele barco navegando? Pois bem... Se confiarmos apenas nos nossos sentidos, neste caso os nossos olhos, diríamos que é a vela quem empurra o barco e o faz mover. Entretanto, sabemos que é o vento, que não vemos, o elemento propulsor que verdadeiramente move o barco. E quem me informa sobre este conhecimento? É a razão!

                - Professor, está boa a discussão, mas eu preciso fazer as necessidades fisiológicas. Estou autorizado a ir até aqueles arbustos lá embaixo para responder a este chamado da natureza? - Pediu Aristóteles.

                - Claro, vá lá... E aproveite este tempo ocioso para refletir – Falou Platão sorrindo.

                Ao ver Aristóteles se afastar, Platão propôs ao demais educandos pregar uma peça em Aristóteles. Todos deveriam se esconder e esperar ele voltar a fim de deixá-lo indeciso sobre aonde teriam ido. Depois de algum tempo Aristóteles retornou, olhou para um lado, para outro, coçou a cabeça... Depois falou:

            - Ei, vamos lá, apareçam... Eu sei que vocês estão por aí!

            Platão foi o primeiro a sair do esconderijo.

            - Você viu algum de nós escondido entre as pedras e arbustos? - Perguntou.

            - Não. - Respondeu Aristóteles.

            - Sentiu nosso cheiro ou de alguém em particular? - Continuou Platão.

            - Também não – voltou a responder.

            - Alguma vez já fizemos esta brincadeira em aula para depreender que estávamos por aqui ainda? - Insistiu

            - Que eu me lembre, não! 

            - Você, Aristóteles, não nos avistou, tampouco sentiu nosso cheiro, jamais passou por esta experiência de ver toda a turma se esconder e, mesmo assim, afirmou saber nosso paradeiro quando disse: “Eu sei que vocês estão aí”. Como sabia?  Como chegou a esta conclusão?

            - Acredito que tenha sido intuição... Arriscou Aristóteles.

            - Não, não foi a intuição, mas a razão quem lhe disse que estávamos por perto mesmo sem você ter passado por esta experiência anteriormente.Então, se a razão é quem nos dá a sabedoria de enxergar o que os olhos não veem, de sentir o que as narinas não cheiram, de ouvir o que os ouvidos não ouvem, então, é ela quem deve guiar nossas ações, não é?

            - Neste ponto nós nunca discordamos, amado mestre. - Afirmou por fim Aristóteles.

            Platão deu a aula por encerrada e ao avistar Aristóteles saindo com os outros educando, pensou consigo: “Eu também te amo meu discípulo.”



LIÇÕES DO MESTRE PLATÃO

Platão continuou o discurso racionalista de Sócrates, indo além ao apresentar a teoria da reminiscência. Dizia existir dois mundos distintos: o Mundo das Ideias, onde habita a alma, ligado às coisas racionais, perfeito e imutável; e o Mundo Sensível, próprio do corpo, ligado aos sentidos, imperfeito e passageiro. Para cada coisa existente no Mundo Sensível, existe um exemplar perfeito e eterno no Mundo das ideias, ou seja, as coisas existentes em um não passa de cópias imperfeitas do outro. Segundo a teoria de Platão, a alma vem ao corpo e esquece de tudo o que é perfeito e belo que conhecia no mundo das ideias. Os sentidos ajudam a alma a lembrar das coisas existentes no Mundo das Ideias em cada momento que  vê e sente suas cópias, pois estas, embora cópias imperfeitas, fazem a alma atingir a lembrança. Ao lembrar, a alma volta a conhecer pela força da razão, de onde vem, portanto, o verdadeiro conhecimento. Isto demonstra que Platão não confiava neste mundo como lugar propício para ser feliz, pois como demonstra em seu Mito da Caverna, este é o mundo das sombras e dos enganos, principalmente porque pautamos nossas ações para o contentamento do corpo, das alegrias  transitórias e não para o contentamento da alma, voltadas às alegrias permanentes. Estar na caverna é observar as sombras projetadas ao fundo e tomá-las por verdadeiras, quando o original, belo e verdadeiro mundo está fora desta caverna. Platão nos ensina que não devemos estar presos a sensações que nos aprisionam, que parecem boas, mas nos fazem mal. Fala-nos da liberdade possível, que é aquela que nos conectam com o eterno. Se por um lado, afirma não haver felicidade plena neste mundo, já que o sentimento será sempre cópia dos sentimentos belos e eternos do Mundo das ideias, que procuremos aproximarmos o máximo possível destes sentimentos. Platão vislumbra, então, um outro mundo, diferente daquele que nosso corpo habita, onde não há dor, nem sofrimento. Por isso que existem alguns termos como "amor platônico", que é o amor impossível, idealizado e não realizável, a não ser, é claro, numa outra dimensão, para Platão chamado Mundo das Ideias, para outros, céu. Então, qual a mensagem de Platão para nossa vida? É mensagem de esperança, de que existe algo transcendente. Se, por um lado,  não há como viver plenamente nesta dimensão, aponta para o alto dizendo que os deuses nos farão justiça.



NA PISTA DO Dj PLATÃO

A pista de Platão é própria para os idealistas. Além de “Vamos Fugir”, de Gilberto Gil, apresentado no início do capítulo, está na discoteca de Platão a música “Além do Horizonte”, em que diz haver “um lugar calmo e tranquilo pra gente se amar”, do Roberto Carlos que também representa com a música “Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos”, onde afirma “um dia vou ver você pisando a areia branca, que é seu paraíso.”

Estar na pista do Dj Platão é permitir-se viajar, pois as músicas comparam-se, na literatura, ao que chamamos fuga da realidade, pois vão mostrá-la  dura e sofrida, mas vão também encher a pista de esperança.

A pista vai curtir muita Legião Urbana, pois Renato Russo, o letrista da banda, foi um afamado sofredor, sofrimento retratado por suas palavras ditas à mãe antes de morrer: “mãe, eu não sou daqui”. Várias músicas da banda retratam este sentimento: Em “Clarisse”, aparece o dualismo corpo/alma ao apresentar a depressão de uma jovem: “E Clarisse está sentada no banheiro, e faz marcas no seu corpo com seu pequeno canivete. Seus tornozelos sangram e a dor é menor do que parece, enquanto ela se corta, ela se esquece, que é impossível ter da vida calma e força”. Nessa música, a alma da jovem quer livrar-se do corpo, que lhe traz sofrimento e por isso o agride. Fica mais clara esta ideia nas frases seguintes: “Eu sou um pássaro, me trancam na gaiola e querem que eu cante como antes”. É a essência (alma/pássaro) presa à existência (corpo/gaiola). Esta visão está presente em outras músicas como “Desesseis” em que Jonhy bate em um caminhão por “culpa de um coração partido”, buscando na morte alívio para a dor. A música “Perfeição” começa com a frase “Vamos celebrar a estupidez humana...”,  seguindo-se à ela diversas outras que desabonam a vivência, mas que termina com a profecia: “Venha, o amor tem sempre a porta aberta e vem chegando a primavera... venha, que o que vem é perfeição”. A música “Natália”, que significa nascimento, começa com “Vamos falar de pesticidas e de tragédias radioativas, de doenças incuráveis, vamos falar de sua vida...”, numa clara desilusão do poeta com o mundo em relação à musa, sendo o mundo indigno de acolhê-la. No entando, termina a música afirmando: “E quem sabe um dia eu escrevo uma canção pra você”, dando a clara sensação de que possa existir um mundo idealizado, onde a musa possa ser plenamente homenageada. Um pouco antes de falecer, escreveu “O Sagrado Coração”, em que inicia perguntando: “Falam de um lugar, mas onde é que está? Onde há virtude e inteligência e as pessoas são sensíveis, e que a luz no coração é que pode me salvar”; e termina com um pedido: “Por isso lhe peço por favor, pense em mim, ore por mim, porque eu preciso de ajuda”.

Na pista do Dj Platão entra quem tem esperança de que um outro mundo é possível.

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