sábado, 9 de novembro de 2013

O Banquete: Um diálogo Possível Sobre Política



                      Esta é uma representação de um diálogo possível 
            sobre Política.

ARISTÓTELES: O homem é um animal político e só tem sentido quando inserido em sociedade. Diferentemente de outros animais, o homem tem a capacidade de compreender o justo e o injusto, pois possui a racionalidade como condutora de uma vida virtuosa não só individual, mas coletiva. Somente na vida social o homem pode atingir a plenitude de seu ser, assim, a democracia da polis depende de cidadãos livres e autônomos. Existem três tipos de governos: Democracia, que pode se desvirtuar para a Demagogia; Aristocracia, que pode se desvirtuar para a Oligarquia; e a monarquia, que pode virar uma tirania. Portanto, o governante deve ser virtuoso.

EPICURO: Você, Aristóteles, viveu numa Atenas que dava respaldo à sua teoria. Com o avanço de Alexandre Magno e sua política monarquista no lugar da democracia ateniense tudo se transformou. O homem grego de meu tempo não tinha mais a liberdade e procurava novas formas de encontrar a felicidade. Assim, entendi que o homem não precisa de razões exteriores a si para ser feliz, podia ser feliz por si mesmo através da paz de espírito e tranquilidade. Isto se consegue não através da busca da justiça, mas através da amizade. O homem deve afastar-se das coisas da política e da sociedade para ter maiores chances de felicidade.

NIETZSCHE: Concordo! Os filósofos genuínos deveriam abster-se do debate político e permanecer um pouco afastados, até porque, o Estado geralmente vê o filósofo como inimigo. O ser com furor filosófico não tem tempo a perder com o furor político, pois este é um desperdício de espírito, deve ser visto como um simples divertimento, tanta é sua falta de importância. Ao filósofo de espírito livre deve ser imposto o seguinte mandamento: “não farás política!”. A formação de Estados requer poder, aparecendo de um lado, alguém que manda e, de outro, os que obedecem. A massificação é inevitável e o sujeito é controlado, se não por uma ditadura, por um conjunto de leis.

SÊNECA: Vivi numa Roma Imperial e ajudei Nero em seu início de governo. Fui perseguido por seus antecessores Calígula e Cláudio porque eu representava força no Senado Romano, de quem estes não gostavam de dividir o poder. Inicialmente, consegui que Nero ouvisse o Senado, pois vejo a política como divisão de atribuições, depois, também ele se desviou. Um bom imperador produzirá um bom povo e seu reinado deve ser administrado sob a batuta da sabedoria, assim, o governante dá liberdade e justiça aos súditos que o mantém como governante. Este é a alma e o povo é o corpo.

MAQUIAVEL: Eu vejo que o governante deve fazer de tudo para manter o seu poder, pois os fins justificam os meios. Discordo de Aristóteles quando alia governo com a virtude. A moral e seus valores devem passar ao largo da forma de governar porque elas limitam as ações de quem governa. A ação do governante deve dirigir-se pela objetividade, pois nas questões de Estado há virtudes que, para a sociedade representam vícios e o que importa, para o governante,  é manter a estabilidade social a todo custo. 

SÓCRATES: Contrário a Nietzsche e Epicuro, penso que a vida em sociedade inevitavelmente nos leva à participação, mesmo quando recusamos. A maior qualidade de um governante é a sabedoria e, por isso, o sábio é quem deve conduzir a política. É dever do cidadão participar, através do diálogo, da vida da cidade, para não se deixar dominar por ideias de outrem, sem ao menos refletir sobre a melhor maneira de se dar a convivência social. Só um cidadão participativo e reflexivo pode conhecer a verdade, o que  impedirá de ser um marionete nas mãos do poder.

PLATÃO: Penso que as crianças deveriam ser separadas das mães para serem educadas por uma instituição, pertencendo ao Estado sua educação. Ao chegar aos vinte anos, aquelas que não tiverem habilidades próprias dos guerreiros, nem grande sabedoria, se tornariam artesãos, camponeses, comerciantes, etc..., dedicando-se a tarefas menos nobres. Aos trinta, deveriam ser separados aqueles sem grande sabedoria e já treinados para a defesa do Estados, a fim de serem soldados. Os que sobrarem, serão preparados para o exercício do governo até os cinquenta anos e serão os mais sábios. Se esta estrutura fosse representada pelo corpo humano, o primeiro grupo seria o abdômen, o segundo, representando a força, seria o tórax e, o terceiro, a cabeça, que deve comandar os dois outros através da razão.

PROTÁGORAS: Penso que a democracia seja a melhor solução, pois cada pessoa tem sua opinião sobre os assuntos da vida social. O conjunto de opiniões que forma uma maioria deve prevalecer sobre as outras opiniões minoritárias ou mais fracas. Portanto, deve-se exercer a arte do convencimento para que uma opinião forme este “discurso forte”, vencendo os discursos contrários.

ROUSSEAU: O homem é livre em sua essência, mas esta liberdade é relativa no corpo social, pois convive com outras liberdades. Penso que deva haver um contrato social, onde as individualidades dão direito a um terceiro, o governo, de legislar. Neste contrato, a soberania pertence ao povo, à vontade geral. O governo serve como corpo intermediário da vontade do povo. A lei expressa a vontade geral, garantindo a justiça e a liberdade. O legislador manda nas leis, não nos indivíduos. Por fim, a política é exercida em vista do bem comum, acima dos interesses particulares.

HOBBES: Penso que o contrato social seja inevitável, pois os homens nascem competitivos e precisam da força do Estado para controlar seus instintos. Discordo de Aristóteles quando diz que o homem é naturalmente sociável. Não condiz com a verdade, pois vê o outro como concorrente, sendo a união movida por interesses. O homem fica entre o seu instinto natural e a obrigação racional da convivência, fazendo com que o contrato social seja a única saída. Deste modo, a monarquia é o melhor modelo de governo, pois o monarca legisla com a obediência de todos. Neste contrato, o indivíduo renuncia seu direito natural, de razão e liberdade, e o entrega a um terceiro, a quem chamo leviatã, o soberano.

SARTRE: Em minha época, pós-revolução industrial e pós-guerras, houve o aparecimento da guerra fria, que representava o debate ideológico entre o capitalismo, baseado no mercado de capital de livre comércio, inspirado no liberalismo econômico; e o comunismo, inspirado nas ideias marxistas da luta classes para uma maior distribuição de renda. Fiquei do lado desta última por entender estar mais próximas do existencialismo, pois a liberdade é antes humana e depois econômica. Penso que o filósofo deva ser um engajado político sim e agir no meio do povo.

AGOSTINHO: Assim como há um reino de justiça pós-vida, deverá existir aqui também este mesmo reino, para que haja concórdia entre as pessoas, ou seja, a paz celestial deve ser reproduzida através da paz terrena. Este bem conviver está prescrito por Jesus através do mandamento “amar a Deus sobre todas as coisas e o próximo como a si mesmo”. O homem é um peregrino na terra e deverá buscar nesta pátria terrena a maior proximidade possível com a pátria celestial.

KANT: O fim último da humanidade é a constituição da forma política perfeita, alcançada pelo exercício da paz e a supressão da guerra. Por isso, sou contrário à ideia de exércitos oficiais e permanentes, a favor apenas na montagem de grupos de cidadãos em momentos de crise para resolvê-las. Discordo de Platão de que deva haver preparação de guerreiro, pois o Estado não tem o direito de dispor da vida do indivíduo que obrigatoriamente o tenha que defender. É uma injustiça e uma irracionalidade. Homens não podem pôr-se a matar e serem mortos, pois assim como o Estado não tem a vida dos cidadãos a seu dispor, também um indivíduo não a tem sobre outro.

DESCARTES: Concordo com Sêneca e Epicuro no que tange à tranquilidade social como meio de viver a boa política. Assim, discordo de Protágoras, não pela ideia do discurso forte, pois este surge naturalmente, mas na ideia apresentada por Protágoras de que precise haver um embate entre as diversas formas de pensar. Este embate traz inconstância social, que é avessa à tranquilidade que apregoo. Penso que as coisas se acomodam em sociedade; então, o melhor é aceitar as decisões do governante; seria a melhor forma de ajuda-lo a governar, não criando crise, pois ele também precisa de tranquilidade para exercer o bom governo.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

O Dinheiro e seus usos

O Dinheiro (adaptação do poema "A Pedra")

Diógenes o desprezou;
o louco não rasgou;
o sovina guardou;
e o esbanjador o gastou.
o artista fez um circo;

o mercado endeusou; o pirata roubou e escondeu;
o político corrompeu-se por ele;
o trabalhador o contou tão pouco;
o mendigo pediu;
o pastor construiu templos;
o vaticano enriqueceu;
o cantor um disco gravou.

tornou o funkeiro um boçal,
de cordão de ouro e carrão;
e a funkeira vulgarizou,
ganhou dinheiro dizendo: "quero dá!"
 a prostituta deu... deu-se!

Em todos os casos
a diferença não está no dinheiro,
mas no ser humano.

domingo, 3 de novembro de 2013

Shopenhauer: Viver é Sofrer

Schopenhauer era uma personalidade interessante e, de certa forma, contraditório.
Via na ascese o bem viver, uma mistura de epicurismo com budismo. 
Sua personalidade melancólica batia de frente com sua retórica contundente.
Afirmava que “viver é sofrer”. E sofria...
Ia aos cafés à tarde acompanhado de seu cãozinho poodle. Confio naqueles que gostam de cães. Isto demonstra que reconhece as qualidades do animal, que caem bem aos humanos.
Dizem que sua crítica a Hegel era por despeito, já que este era reconhecido e Schopenhauer não. Não creio! Seu ressentimento não partia daí, mas de sua visão de mundo. A morte era a única solução e só nela encontraríamos a serenidade. Nela, não há desejo, não havendo sofrimento. Mortos, não desejamos, não sentimos a infelicidade, pois a infelicidade vem do descontentamento eterno dos vivos. Enquanto houver vida, há desejo; e enquanto houver desejo, não há realização plena. Então não há saída enquanto houver vida, sendo único caminho a morte.

Acreditava no amor como meta de vida, mas ele nada tem a ver com felicidade .

Eis algumas de suas frases:

“As pessoas tomam os limites de seu campo de visão como se fossem os limites do mundo.”
- Frase anti-sofista, pois esta corrente acreditava ser o homem “a medida de todas as coisas”.

“Em pessoas de capacidade limitada, modéstia não passa de mera honestidade; nas que possuem grande talento, é hipocrisia.”

“Quanto menos inteligente um homem é, menos misteriosa a existência lhe parece.”
- Como ateu, pensava que ao crente bastava acreditar em Deus e pronto, tudo estaria esclarecido, muito simples.

“A felicidade jamais foi considerada inoportuna.”

- Esta frase está mais como lamento do que para um elogio à felicidade. O que quer dizer que ela pode ser questionada.

Adriana Calcanhoto, Titãs, Jesus e o Estoicismo.

"Eu vejo tudo enquadrado
remoto controle..."
 Veja no link http://letras.mus.br/adriana-calcanhotto/43856/ - Esquadros - Adriana Calcanhoto

A frase escrita acima, da música "Esquadros", de Adriana Calcanhoto, resume o teor da letra, voltada para a filosofia estoicista. 
Os estoicistas acreditavam que tudo no mundo estava perfeitamente posto, "tudo enquadrado", cabendo a nós seguirmos o fluxo dos acontecimentos.
Devíamos aceitar as coisas como elas são porque nada pode mudar, ou seja, acreditavam em destino.
Em resumo, temos um "remoto controle" sobre nosso futuro. Assim sendo, o melhor para viver bem é aceitar as condições que nos são apresentadas, pois lutar contra o destino é sofrer à toa.
Aliás, "remoto controle" é uma magnífica inversão de "controle remoto". Com este aparelho nós podemos escolher a que canal assistir; na vida não, pois os acontecimentos surgem independente de nossas vontades.


Romanticamente, ou talvez nem tanto, a letra acrescenta:
"...Meu amor, cadê você 
eu acordei
não vi ninguém ao lado..."
Diz que você não tem o controle do amor de ninguém, ou pior, da vida, pois você nunca sabe se a pessoa que dorme contigo estará viva na noite seguinte para você amanhecer com ela. Neste caso surge como um lamento.

Também é um exemplo estoicista a morte de Jesus em cumprimento às escrituras.


 
A Lança do Destino, aquela que o soldado romano espetou Jesus na cruz é a imagem do ápice da morte de Jesus que, segundo o próprio, deveria se cumprir, conforme as escrituras sagradas apontavam.

Também possui esta verve estoicista a música “Marvin”, da banda paulista Titãs.

Ao morrer o pai diz ao filho:
“Marvin, eu fiz o meu melhor
e o seu destino eu sei de cor...”
A sabedoria e a vivência do pai revela o futuro do filho como fato consumado e, por mais que Marvin lutasse contra este mesmo destino, não adiantava, o rumo do filho era seguir os passos do pai, repetindo sua história de dificuldades.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

As Reticências...



Não há, na pontuação, um sinal mais significativo que as reticências.
Elas não têm o autoritarismo do ponto final nem a sua falta de perspectiva.
Tampouco são chamativas como o ponto de exclamação!
Nem se cercam de dúvidas como a interrogação, apenas deixam margem para se pensar que existem.
As reticências significam liberdade...
Elas dão vazão à esperança...
As reticências estimulam a imaginação; depois delas, qualquer coisa pode fluir...

Inclusive a distração...

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

O Banquete: Um diálogo possível sobre Ética

AGATÃO: Este banquete tem como tema a questão ética e proporei como texto de estudo a música Faroeste caboclo, para que, a partir das situações vividas pelos personagens, possamos debater segundo as convicções dos senhores que se fizeram adequadas.

(Os pensadores ouviram a música)

E leram a história (letra)


ROUSSEAU: Encontro minha filosofia nesta narrativa. Acredito que o homem nasce bom e a vivência em sociedade o corrompe, porque desperta um desejo de competição que o leva a atitudes mesquinhas e pequenas. O primeiro verso deixa claro esta condição primitiva de bondade, pois não ter medo significa, nesta situação, não conhecer o mal. A morte do pai despertou em João de Santo Cristo um ódio pela vida e a visão de que todos eram seus inimigos. Esta inimizade, na humanidade, começou quando um primeiro cercou um pedaço de terra e disse: “isto é meu!” e não houve ninguém com suficiente clareza para arrancar aquelas cercas. A partir daí cada qual passou a defender o que é seu, vizinhos se desentenderam, países guerrearam...

HOBBES: Falas, caro Rousseau, como se esta competição tivesse sido induzida por um fator externo, como o tiro que matou o pai do rapaz, por exemplo. Negativo! Estes sentimentos nascem conosco, pois não diferimos dos outros animais nesta questão. Digo que o homem é lobo do homem! Ao contrário do que dizes, o homem é naturalmente mau e a sociedade é quem cria mecanismos para educá-lo na virtude. João de Santo Cristo teve chances, quando criança e quando adulto, mas teimou sempre em ser lobo.

SÊNECA: Tudo seria muito mais tranquilo se João de Santo Cristo não lutasse tanto contra o seu destino. Ele viveria muito mais feliz se deixasse as coisas acontecerem naturalmente. A aceitação de sua condição, no mínimo, lhe traria paz para viver decentemente, trabalhando e, talvez, formando uma família.


AGOSTINHO: Faltou a todos os personagens a opção por Deus. A boa ação é aquela que nos aproxima de Deus e a má ação aquela que nos afasta Dele. Onde falta Deus brota o mal.





SARTRE: Penso que Rousseau e Hobbes erram quando falam em essência humana, pois primeiro existimos e a nossa essência - aquilo que somos - se forma a partir de nossas escolhas, o que quer dizer que não temos nenhuma natureza pré-existente, boa ou má. Também não existe destino como diz Sêneca, nós é quem o fizemos. E Deus, mesmo que existisse, não interferiria em nossas ações, porque somos condenados a ser livres.  Sozinho fiz o mal, sozinho inventei o bem. Não temos a quem culpar por nossas ações, pois somos pautados pela liberdade. Os personagens da história em questão agiram livremente, fizeram suas escolhas e suas ações não podem ser atribuídas a fatores externos, pois estes podem influenciar, mas jamais determinar as decisões pessoais.

AGOSTINHO: É o que chamo de livre-arbítrio dado por Deus, nós escolhemos entre o bem e o mal, como Adão e Eva...

SARTRE: É um contrassenso o que dizes. Uma liberdade pautada por uma força superior não é liberdade. Como posso ser livre se tenho que fazer a vontade desta força? Não existe meia liberdade. Não se pode ser meio livre, como não se pode ser meio morto.

NIETZSCHE: E olha que nem é a vontade deste Deus inventado, mas a vontade da Igreja de Agostinho que, influenciado pelas ideias racionalistas de Platão, teorizou um modo de amarrar as pessoas às normas e regras de conduta que atentam contra a natureza humana. Passaram a tudo proibir. Estamos condenando os personagens desta história sob a batuta destas regras estúpidas. Devo admitir que Maria Lúcia é a personalidade mais fraca, não pelas razões anteriormente expostas pelos colegas de banca, mas pelo fato de que ela vivia ao sabor dos desígnios dos outros personagens, não tinha amor próprio. Por outro lado, era justo o ódio de João de Santo Cristo e ele viveu intensamente até conhecê-la, entregando-se aos ditames da sociedade moralista, como formar família, com empreguinho e casamento.

HOBBES: O que estás a propor, caro Nietzsche, é a barbárie!  Como disse anteriormente, nascemos maus e se não houvesse uma lei e uma obrigação moral que regulasse as ações cada qual agiria conforme seu bem entender, sem qualquer controle.

NIETZSCHE: O problema é justamente o controle. A única lei a ser seguida deveria ser a lei natural, a lei do bem viver.


EPICURO: Bem viver é justamente o que faltou aos personagens. Como o fim último da vida é buscar o prazer através da tranquilidade da alma e da serenidade, devo concordar com Sêneca quando diz que João de Santo Cristo deveria esquecer o fato da morte de seu pai, a princípio, através do exercício do perdão. A agonia da cena guardada em seu coração se estendeu por toda a vida. Além do mais, ele desejava demais, quando poderia ser feliz com o que tinha e onde vivia.

NIETZSCHE: Perdão e piedade são para os fracos. O moralmente forte age segundo sua natureza. O ódio de João de Santo Cristo era justificável. Controlar os sentimentos é ir contra a lei natural e fraudar o que é puro.


ARISTÓTELES: Pois penso que a função da razão é justamente dominar as inclinações e as paixões. O bem viver é viver com equilíbrio, pois a virtude está no meio. Há duas formas de falhar: por excesso ou falta. Duelar com Jeremias não foi um ato de coragem - que seria a virtude – mas um ato temeroso – o vício por excesso.  João agiu emocionalmente pela ira. Jeremias, por sua vez, praticou a covardia ao atirar pelas costas – o vício por falta, falta de coragem.


SÓCRATES: Só se erra por ignorância. O ser moral é o ser de conhecimento. Praticar o conhecimento é o bem agir. Os personagens em questão viveram à sombra de suas crenças, não procuraram a razão e nitidamente sofreram muito durante suas vidas. Seu conhecimento era, portanto, precário de verdade e sabedoria...


PLATÃO: Típico caso, se me permite o mestre interromper, de pessoas que vivem nas sombras da caverna. O medo do desconhecido os impediram de sair para fora e conhecer o verdadeiro mundo. Enquanto a alma era pura, como diz a música, João de Santo Cristo não tinha medo, o que equivale dizer que não conhecia o mal. O corpo, que habita o mundo sensível das aparências e enganos, através das experiências contaminou a alma, até então pura.


PROTÁGORAS: Pois penso que cada personagem vivenciou sua experiência, conforme sua ética, seu modo de pensar e sua percepção particular de mundo. Assim como cada qual aqui está julgando segundo o que acredita ser certo ou errado. O mundo existe conforme a visão de cada um e a vida e modo de viver se deu conforme as escolhas dos personagens. Quem disse que João ou Jeremias queriam vida e fim diferentes? Trocariam a curta vida que tiveram por uma vida longa sem emoção?


JONH STUART MILLS: Toda ação deve culminar em felicidade ao maior número possível de pessoas, mas tem que obrigatoriamente ser útil, pois os fins justificam os meios. Não vejo benefício algum, nem para os personagens, nem para a sociedade as decisões tomadas pelos personagens da música. O único momento de boa decisão foi quando João de Santo Cristo resolveu trabalhar, constituir família com Maria Lúcia. Eles pareciam felizes e a sociedade ganhou com ele vivendo segundo as regras dela.


IMMANUEL KANT: Penso de forma contrária a Stuart Mills. Para mim não importam os resultados, mas a intenção do agente moral. Sêneca tem razão quando diz que não está em nossas mãos o controle  dos acontecimentos, pois às vezes queremos produzir algo e sai outro diferente. Temos culpa? Respondo que não, porque neste caso a intenção era boa. O final da música revela a intenção de Santo Cristo e era uma intenção boa, humanitária, que visava o bem social. Durante a música percebe-se que Santo Cristo sempre tenta fazer o melhor, mas algo sempre o desvirtuava do bom caminho.

NIETZSCHE: De boas intenções o inferno está cheio. O “bom caminho” que você se refere é o caminho dos padres, pastores e racionalistas. Gostam do Santo Cristo cordeirinho, enquadrado nos ditames de suas regras estúpidas que fazem as pessoas trocarem o bem viver pela prisão que estas normas e regras impõem.



DESCARTES: Como racionalista devo dizer que as paixões só levam a enganos e torturam a consciência. Concordo com Agostinho quando afirma que Deus e a Sua vontade são o direcionamento, a rota a seguir, pois ele é o Supremo Ser Pensante. Também concordo com Sócrates no que se refere ao conhecimento e a razão como elementos guias das ações.



DIÓGENES: Certa vez me perguntaram se a vida é um mal e eu respondi que não, que mal era viver erradamente. Os personagens desta música, por exemplo, de um lado, rejeitavam viver conforme as leis da sociedade, mas de outro, se assemelhavam a esta mesma sociedade no que ela tinha de mais nefasto: o sonho do poder e da riqueza. Viveriam mais felizes se vivessem conforme um cão, que não tem essas preocupações humanas. Basta-nos para viver bem, a quantidade diária suficiente que cabe num prato. Além do mais, os personagens homens brigaram por amor de uma mulher e, pior, morreram por este motivo; isto é viver erradamente! O casamento é uma convenção social absurda, porque o amor deve ser naturalmente livre.



PASCAL: É mais fácil suportar a morte se não pensar nela. O agir emocional dos personagens parecia indicar que a estabilidade e proteção da vida não eram as prioridades, mas vivê-la intensamente. O coração tem razões que a própria razão desconhece, pois ao intelecto não é admitido tudo conhecer. No entanto, faltou a eles equilíbrio entre a razão e a emoção. As razões do coração falaram mais alto para estes personagens na maior parte da narrativa. Somente quando João se propôs ao casamento e viver do trabalho é que voltou-se para a razão, unindo o racional ao emocional, pois através do amor, um sentimento, moveu-se racionalmente, dando sentido ao seu existir ético.


HUSSERL: Concordo com Protágoras quando diz que as vivências variam conforme as experiências de cada pessoa. É difícil colocar-se na posição de outra pessoa sem que antes se tenha vivido o que esta pessoa viveu. Os personagens se construíram com o passar do tempo, cada qual com sua visão de mundo e sua experiência fenomenológica. Diante disto, da impossibilidade de uma avaliação segura das motivações que levaram os personagens a agirem como agiram, nos resta confiar, conforme afirma Kant, na intenção como meio seguro, pois mesmo que não a conheçamos, já que ninguém conhece a intenção de ninguém, ela existe no interior de cada um. No caso exposto na música, não posso avaliar com segurança, já que não vivi suas vidas, mas a impressão é de que João tinha esta boa intenção, assim como Maria Lúcia.



HEGEL: A ética está umbilicalmente ligada à história e à cultura de um povo, sendo a moral resultado da interação do indivíduo com as relações sociais e as instituições. Partindo deste princípio, penso que os personagens agiram na contramão da ética vigente, contrariando a sociedade na maior parte da narrativa. Mesmo quando João tentou se adequar aos ditames sociais com o casamento em nome do amor por Maria Lúcia, foi inseguro em suas intenções e frágil enquanto caráter, pois sucumbiu à primeira dificuldade. Maria Lúcia, por sua vez, não agiu como uma mulher de seu tempo que já apresentava um contexto histórico de emancipação. Parecia estar nas cavernas em busca do macho mais adequado à sua sua situação de fêmea.



SHOPPENHAUER: O problema moral do homem é o egoísmo, que não o deixa ser bom para com o outro a fim de atingir a justiça e a piedade. Superar o egoísmo é o ato moral bom, pois se cada qual abrisse mão de suas vontades para o bem do outro geraria uma gentileza partilhada. A ética não tem que ter uma norma rígida como afirma Kant, um imperativo que seja universal. Também não deve ser volúvel, baseada em meios exteriores como a cultura ou a história, tal como afirma Hegel. Ela existe no indivíduo com sua prática e suas escolhas. Se este não prejudicar ninguém e for bom com todos estará praticando a boa ação. No caso dos personagens em questão, não percebi esta movimentação para a prática do bem, pois todos agiram egoisticamente. João, ao que parece, procurou a justiça, mas o fez pelas vias erradas, animadas mais pelo ódio e egoísmo, que por justiça ou piedade propriamente ditas.



AGATÃO: Agradeço a presença de todos!


sábado, 19 de outubro de 2013

O banquete: Um Debate Possível Sobre o Conhecimento

                            Eis que inicia-se o debate!
                   Os filósofos debatem sobre o conhecimento:

PLATÃO: Devemos partir do princípio de que somos corpo e alma. Quando a alma chega ao corpo, descendo ao mundo sensível, ela esquece as coisas boas do mundo das ideias, é contaminada pelas sensações e por isso, se torna passível a enganos. Assim, o conhecimento só existe no mundo das ideias, pois o mundo sensível é o mundo das aparências, para conhecer a verdade das coisas e ter conhecimento é tarefa da educação. Cabe à educação lembrar a alma.

AGOSTINHO: Penso que a razão ajuda o homem a alcançar a fé que, por sua vez, orienta a razão. Temos duas razões: a inferior e a superior. A razão inferior trata de conhecer o sensível, o que é mutável e científico. A razão superior, por sua vez, trata do que é da fé, da alma, da sabedoria e das coisas imutáveis.

DAVID HUME: Pois eu penso que todo conhecimento vem das experiências e são os sentidos que as vivem, a razão apenas racionaliza, cataloga e distingue as coisas. Não existe o tal mundo das ideias porque não existe conhecimento a priori. Todo conhecimento é a posteriori, pois primeiro tudo deve ser vivido e uma prova disso é que não podemos prever o futuro.

DESCARTES: Pois eu vejo que o conhecimento se adquire através do método cartesiano. Parto do princípio de que deva haver uma regra rígida que retire tudo o que se possa duvidar para não haver enganos. De tudo duvido, até mesmo de minha existência, já que minha existência pode ser fruto de algo imaginário. Neste caso, existe uma coisa da qual eu não posso duvidar: a de que eu duvido, e se eu duvido, eu penso. Então, se penso, eu existo.

DAVID HUME: Você só pensa as coisas porque antes as vivencia.

DESCARTES: Eu não preciso colocar fogo num papel para saber que ele vai queimar.

DAVID HUME: Com certeza você sabe por que já viu ou já experienciou em algum momento anterior. Nada há o que a gente conheça que não tenha passado pela experiência.

DESCARTES: Somente a razão pode ser um meio seguro de conhecimento, pois retira tudo o que é duvidoso ou possa iludir os sentidos e fica apenas com o rigor do que é certo.

KANT: Penso que existe duas modalidades de conhecimento. Temos alguns conhecimentos que são a priori, principalmente os ligados ao instinto e outros a posteriori, alcançados tanto pela experiência, quanto pela razão, como aqueles que aprendemos na escola por exemplo.

ARISTÓTELES: Sempre discordei da dualidade platônica, penso que corpo e alma estão juntos em um mesmo ente. O ser humano é formado por corpo e alma e ambos têm cada qual sua parcela na aquisição do conhecimento. Contudo, o verdadeiro conhecimento vem da experiência, cabendo à razão governar e dominar as paixões. Em suma, como afirmou David Hume, não há nada na mente que não tenha passado pelos sentidos.

NIETZSCHE: Não é do conhecer que precisamos, mas do conhecido, não temos vontade de saber, mas medo do não-saber. O desejo do conhecimento não vem da nossa natureza, mas sim da busca do sentimento de segurança. Não gostamos do desconhecido. Não é a vontade de conhecer que nos atordoa, mas a agonia do que é estranho, inseguro e inabitual.

HERÁCLITO: O inabitual é o devir e o logos (razão) nos prepara para ele.  Aprendemos com as mudanças e o que sabemos vem do conflito entre os contrários. O contrário faz com que sabemos, por exemplo, sobre o que é o quente e o frio.

PARMÊNIDES: Isto são apenas sensações que permanecem! O quente sempre será quente e o frio sempre será frio! O pensamento não pode raciocinar sobre coisas que ora são de um jeito e ora de outro, que são contrárias a si mesmas e contraditórias.

HERÁCLITO: No entanto, você só conhece o frio porque conhece o quente.

ROUSSEAU: Penso que os homens devem aprender para serem livres. Permanentemente, como diz Parmênides, temos dentro de nós, em estado selvagem, uma natureza boa que deve ser mantida mesmo depois que a luta pela sobrevivência na sociedade competitiva se fizer necessária. Mas tudo pode mudar, como afirma Heráclito. Não podemos nos deixar levar pelo espírito do egoísmo que permeia a sociedade e caberá à educação este papel.

THOMAS HOBBES: Caberá à educação sim, trazer conhecimento. Mas ao contrário de Rousseau, penso que o indivíduo nasce mau e com espírito egoísta e é a sociedade que, através de mecanismos educacionais, o corrige.


SARTRE: O homem não deve aprender a ser livre porque ele já nasce livre, o que quer dizer que as ideias, ou as essências, não são anteriores às coisas, pois não se acham previamente contidas nem na inteligência de Deus nem na inteligência do homem, elas são contemporâneas e se aprende conforme se vive. Não existe conhecimento prévio.

PROTÁGORAS: Também não existe a possibilidade de conhecimento pleno, pois o homem não tem capacidade, nem alcance intelectual para conhecer a totalidade das coisas. Assim, apenas o conhecimento parcial é possível.


SÓCRATES: É possível sim o conhecimento pleno e este deve ser descoberto na própria alma: Conhece-te a ti mesmo, este é o primeiro passo. Dar-se conta da ignorância é primordial para a busca do saber e a constante dúvida é um método que deve ser seguido até que não haja mais nenhuma pergunta a ser feita sobre algo, como apresentou antes Descartes. Quando se sabe o que é a verdade, a coragem, a virtude, o belo, etc., chegamos ao conhecimento.

NIETZSCHE: E quem faz este processo? A razão? Vamos matar a verdadeira fonte do conhecimento que é o sentir? Não há nada mais formidável que sentir a brisa, o toque, o sol, a água... Daí provém o que conhecemos.

SÓCRATES: Não são invalidadas estas sensações, podemos usá-los como meios para chegar ao verdadeiro conhecimento. Um General poderá vencer diversas batalhas, mas se não souber o que é a coragem não conhecerá o suficiente, assim como um rei pode ser  adorado por diversos súditos, se não souber o que é sabedoria não conhecerá o suficiente.

NIETZSCHE: Sua teoria parte de um princípio errado: transforma o sentir, que é a principal fonte do conhecimento em um simples “meio” de adquiri-lo, um objeto, quando na verdade é o sujeito.

PROTÁGORAS: O homem é a medida de todas as coisas, das que são, enquanto existem, das que não são, enquanto não existem. Assim o conhecimento é parcial e relativo a cada ser pensante, ele se dá pela percepção do fenômeno sem que se possa separar a sensação do pensamento.

HUSSERL: Toda consciência é consciência de algo. Tudo o que sabemos é um fenômeno, que é aquilo que se apresenta a nós. Todas as vivências se dão pela consciência buscando-se uma análise compreensiva e não explicativa do mundo. Portanto, as coisas não devem ser explicadas e sim compreendidas, assimiladas pelo sujeito que observa o objeto e se transforma com esta experiência.

AGATÃO: Foi um belo debate, espero os senhores para um próximo.