O
BANQUETE
NARRADOR: Agatão reuniu em sua casa
vários pensadores da humanidade, que através dos tempos refletiram sobre
diversos pontos da existência humana. Queria saber a opinião deles sobre a
origem da vida, a verdade, o conhecimento, a essência das coisas, a
transitoriedade...
De um lado da mesa estavam
Parmênides, Sócrates, Platão, Aristóteles, Zenão de Cítio, Santo Agostinho, Descartes e
Rousseau. Do lado oposto estavam sentados Heráclito, Protágoras, David Hume, Nietzsche, Thomas Hobbes, Kant,
Jean Paul Sartre e Edmund Husserl, que tomou a última cadeira disponível.
Agatão saldou os convivas, agradeceu
as presenças e foi logo indagando:
AGATÃO: Vamos começar este simpósio
refletindo sobre a primeira das indagações: Como surgiu a vida?
HERÁCLITO: Deve ter havido um
elemento primeiro que deu origem a todos os outros. Pitágoras, por exemplo,
acreditava ser a água, Demócrito dizia existir partículas indivisíveis
denominadas átomos. Outras teses de outros filósofos foram apresentadas e eu
acredito ser o FOGO este princípio, porque sua chama é a representação viva da
transitoriedade da vida, porque tudo nasce, cresce e morre. Assim é o fogo! Ora
está mais aceso, ora mais apagado, até que fenece quando não é mais alimentado.
Tudo é transitório, o rio em que você se banhou ontem, já não é mais o mesmo se
hoje entrar nele, já não será mais a mesma água.
PARMÊNIDES: Tolice o que dizes! O
ser, aquilo que existe, é permanente e imutável. O ser é e o não ser não é. O
ser é desde sempre e sempre será, pois mesmo que morra continuará sendo porque
foi um dia existente. O dá qualidade de existência à água é a sua essência. A
água de hoje será a mesma de amanhã, como a água de um copo é a mesma de outro,
pois o que importa são os seus atributos.
HERÁCLITO: O mundo existe pela força
dos contrários, ora é água quente, ora água fria. É o movimento dentro do que
permanece.
KANT: Sobre o fogo, considero uma
teoria interessante, pois suas duas atribuições básicas, luz e calor, são
substâncias próprias de uma matéria sutil e elástica uniformemente difusa, que
é por onde os corpos agem uns sobre os outros. Deste movimento formou-se a
vida.
ZENÃO DE CÍTIO: Penso que uma Mente
Criadora fez tudo perfeitamente em seu
devido lugar, cabendo a nós seguirmos o fluxo dos acontecimentos. Se tudo está
perfeitamente posto não há porque agirmos contrariamente a eles. Vamos
simplesmente aproveitar as benfeitorias da natureza.
SANTO AGOSTINHO: Pois eu acredito
que Este princípio criador é Deus, onipresente e onisciente, Aquele que tudo
criou...
ARISTÓTELES: É uma ideia plausível, a de um
Deus único... Tudo o que foi gerado no mundo possui uma causa, pois nada pode
existir se algo não lhe causar ou não criar tal existência. Todavia, há que
existir uma causa primeira que causou todas as outras sem ser causada, a quem
dei o nome de Primeiro Motor Imóvel. Ele é o supremo bem e a suprema beleza e
funciona como um imã a atrair todos os outros seres, pois todos os seres são
atraídos pela ideia do bem e da beleza. Ele é o ser de Demócrito, eterno e
imutável; e talvez seja o Deus de Agostinho. Todas as outras coisas são passageiras
como diz Heráclito.
PLATÃO: Meu querido discípulo, sempre
mediando conflitos! Acredito que existam dois mundos distintos: o mundos das
ideias e o mundo sensível. O mundo das ideias é representado pela alma e o
mundo sensível pelo corpo. O primeiro é imutável e permanente, o segundo é
transitório e passível de enganos. Para cada ser existente no mundo sensível,
há um outro, perfeito e belo, no mundo das ideias. Os seres do mundo sensível
são, portanto, cópias imperfeitas do mundo das ideias.
PROTÁGORAS: Concordo com Husserl. Não
se discute a existência ou não das coisas, nem sua origem, mas a sua relação
com o homem e a forma como este as percebem.
JEAN-PAUL SARTRE: A essência não é
tão importante quanto existir, pois nascemos do absurdo, do nada, e para o nada
voltaremos. De todos que falaram até agora o mais sensato foi Heráclito, pois a
transitoriedade é fato consumado, tudo nasce e morre. Não existe uma força
criadora, o ser só é enquanto existe e não há essência pré-determinada nos
seres. Se assim fosse, não existiria liberdade, esta sim, nossa única
condenação.
SÓCRATES: Pode o nada criar algo? O que
é o nada? Afirmar que somos gerados do nada, não seria uma forma de misticismo
passivo? Acredito que devemos procurar a verdade para encontrar esta essência
criadora. Você parece tê-la encontrado, a seu modo, quando afirma que a
liberdade é nossa condenação, talvez seja a liberdade a nossa essência, embora
esta afirmação ainda careça uma averiguação mais profunda.
SARTRE: Volto a afirmar, não temos
uma força criadora e, portanto, não temos uma essência que exista antes de nós.
Nossa essência se formará conforme nossas escolhas, somos frutos delas e livres
para fazer o que quisermos, estamos aí como obra do acaso.
SÓCRATES: Vou aceitar, para efeitos de
raciocínio, que a liberdade seja comum a todos indistintamente e nossa primeira
atribuição. Nesse caso, estaria aí a nossa essência?
SARTRE: Agora a falácia é sua, parece
um sofista! Se há uma essência, estamos presos umbilicalmente a ela. Nesse
caso, como pode haver liberdade? Seria uma contradição.
ARISTÓTELES: Não há provas de que a
liberdade seja universal e que exista plenamente; e mesmo que exista, há outras
atribuições comuns a todos os homens que estão em sua essência, como a
racionalidade por exemplo.
SARTRE: A liberdade só existe se for
plena, não se é meio-livre, como não se pode ser meio-morto.
SÓCRATES: Então, acabas de aceitar
que a liberdade possui como atribuições a universalidade – já que é comum a
todos - e a imutabilidade. Estás rejeitando, nesse caso, a transitoriedade de
Heráclito, a quem elogiou.
SARTRE: Ao contrário, é justamente a
liberdade quem nos dá a possibilidade e garantia do transitório, pois através
dela escolhemos ser ou deixar de ser.
ROUSSEAU: Os homens nasceram livres e
por toda a parte estão aguilhoados. A liberdade é parte da essência do ser
humano. Foi o próprio homem quem, através de suas ações mesquinhas e egoístas,
fez-se preso.
SANTO AGOSTINHO: Essa liberdade vem
de Deus, que nos deu o livre-arbítrio.
NIETZSCHE: Se por todos os lados só
existam homens acorrentados, como afirmou Rousseau; e a liberdade vem de Deus,
como afirmou Agostinho; onde está a autoridade divina? Como este Deus, que deu
a liberdade, deixou que lhe fosse tirada? Um Deus sem autoridade é um Deus
fraco e um Deus fraco não sobrevive! Então, devo declarar: Deus está morto!
DESCARTES: É óbvio que existe Deus,
o único e incontestável Ser Perfeito. A primeira prova é a de que temos uma
ideia de perfeição e, como seres imperfeitos, não poderíamos tê-la sem que algo perfeito a
impusesse a nós. Outra prova de Sua existência é que se nós - que temos a ideia
do que é perfeito - tivéssemos criados a nós mesmos, teríamos nos feito
perfeitos. Além do mais, o imperfeito não pode criar algo perfeito, pois não
está ao seu alcance. Então, apenas alguém perfeito pode ter criado a tudo
perfeitamente e Este Ser é Deus.
NIETZSCHE: Não foi Deus quem nos
criou, fomos nós quem o criamos. Desde que a razão passou a comandar nossas
ações, impondo-nos regras e violentando nossa vontade, houve a necessidade da
presença de um Deus forte e opressor, a fim de nos causar medo e garantir que
cumpríssemos com as regras estúpidas da razão.
HERÁCLITO: Deus é o dia e a noite, o
inverno e o verão, a guerra e a paz, a abundância e a carência; ele se converte
em outro tal qual o fogo misturado aos aromas; ele é a força dos contrários,
chamado como melhor agradar a cada um.
AGATÃO: Este é realmente um tema de complicada
resolução, pois possui muitas nuances e questões intransponíveis, como a fé,
por exemplo. Convido a todos a passar para um outro debate: o conhecimento. O
que é e como se adquire são algumas perguntas das quais refletiremos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário