quinta-feira, 26 de maio de 2016

PLATÃO E O BEM VIVER










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          Viver é Idealizar


“Vamos fugir deste lugar, baby!
Vamos fugir…
… Pra onde eu só veja você
Você veja a mim só…
… Qualquer outro lugar comum
Outro lugar qualquer…
… Qualquer outro lugar ao sol
Outro lugar ao sul
Céu azul, céu azul
Onde haja só meu corpo nu
Junto ao seu corpo nu…
… Vamos fugir
Pra onde haja um tobogã
Onde a gente escorregue…”
(Gilberto Gil)


Na pista: Os que são capazes de sonhar.



PLATÃO


“Quem ama extremamente, deixa de viver em si e vive no que ama.”

“O que faz andar o barco não é a vela enfunada, mas o vento que não se vê...”

“O corpo humano é a carruagem. Eu, o homem que a conduz. O pensamento, as rédeas. Os sentimentos, os cavalos.”

"O corpo é o cárcere da alma, que anseia em se libertar dele"


           Platão havia chorado a morte de seu mestre Sócrates com desconsolo e tristeza imensuráveis. Em uma das mãos segurava uma adaga e no coração uma vontade de jogar-se sobre ela a fim de dar cabo também de sua vida, que agora parecia não mais fazer sentido, tamanho seu desprezo pela injúria social sofrida por seu educador. O que fez com que não tomasse a decisão de matar-se foram os ensinamentos do mestre, pois aprendera que não poderia ser injusto com os deuses que lhe deram a vida de presente. Então, pensou que dali por diante haveria de dar sentido a esta sua vida. Haveria de escrever para a posteridade o que aprendera de Sócrates, um propósito bem maior que o suicídio pensado até há pouco e uma forma mais honrosa de lidar com tamanha dor. As palavras finais do velho mestre, pautadas pela certeza do justo julgamento dos deuses, antes de morrer, serviam de alento ao coração do jovem Platão.

           Tempos depois estava a ensinar em seu educandário sobre o espaço da razão como timoneira de nossas decisões, suprimindo os enganos dos sentidos. Contava aos alunos sobre um homem que fugira das cavernas, lugar onde ele os demais prisioneiros só conheciam as sombras dos seres que eram projetadas em seu fundo. Vencera o poder do medo do mito que se espalhara de que quem deixasse a caverna ficaria louco, não podendo mais retornar, pois a loucura era contagiosa. O destemido homem, sem dar ouvidos a este mito, partiu rumo ao desconhecido e descobriu um mundo novo fora da caverna, cheio de luz. Ansioso por contar a novidade aos outros habitantes da caverna, correu de volta para ela a fim de libertar aquelas pessoas do mundo das sombras. Chegando lá, eles o receberam como um louco e, precavidos pelo medo de se contagiarem com tal loucura, o mataram.

              - Este homem, meus jovens, era Sócrates, que tentou mostrar a todos um caminho de luz; no entanto, Atenas preferiu matá-lo à seguí-lo. – Discursou Platão.

              Os alunos ainda continuavam embevecidos com a história contada, então Platão continuou a falar de sua tese da existência de dois mundos distintos: o Mundo das Ideias, de onde se origina a alma e o Mundo dos Sentidos, próprio do corpo. Segundo sua tese, para cada ser existente no Mundo Sensível existe eternamente um ser perfeito no Mundo das Ideias, ou seja, os seres existentes no Mundo Sensível são cópias imperfeitas do Mundo das Ideias. A alma ao descer para o corpo esquece das coisas belas e no decorrer da vida passar por um processo de reminiscência, pois vendo as cópias vai relembrando dos seres perfeitos existentes no Mundo das Ideias. Enquanto isso, o corpo seria a prisão da alma, que anseia em voltar para o mundo das ideias. Em outras palavras, só se pode ser feliz nesta outra dimensão, num mundo idealizado, onde só a razão, assim como a alma, pode alcançar.

Resultado de imagem para imagens de sonhos realizados              - As sombras da caverna representam os sentidos. Não devemos nos deixar guiar por eles porque não são confiáveis, não são reais... São como as sombras projetadas e, portanto, não podem ser fontes do conhecimento. Em outras palavras, não devem ser leme para a direção de nossas decisões; antes, devem estar pautadas pelo leme da razão.

              Um de seus alunos, porém, não estava convencido por completo do que Platão acabara de falar e arriscou contrariá-lo:

              - Mestre, amo-o, bem sabes... – tomou a palavra Aristóteles – Mas como você próprio nos ensinou, devo amar mais a verdade. Não consigo fazer esta separação entre corpo e alma, pois somos um todo. É certo de que a razão deve ser a condutora de nossas ações, pois é sua tarefa controlar os instintos e as paixões. No entanto, não há nada da qual conhecemos que não tenha passado pela experiência dos sentidos.

              - Você concorda que todo conhecimento, para ser tratado como tal, deva ser verdadeiro? – Perguntou Platão.

               - Com certeza mestre, todo conhecimento só pode ser visto como tal se for reconhecidamente verdadeiro e bem fundamentado. – Respondeu Aristóteles.

               - Então, entras em contradição, pois confias nos sentidos como meio de conhecimento, mas não confias neles para guiar sua vida. Pois bem, faço uma pergunta à turma – propôs Platão – quantos aqui gostam mais do inverno que do verão?

                A turma se dividiu mediante as alternativas, uns preferindo o verão e outros o inverno, cada qual alegando o motivo da preferência. Então, Platão voltou a perguntar:

                - Quantos preferem maçãs a uvas?

                Uma nova divisão de opiniões se estabeleceu.

                - Como podem observar, os sentidos não são um meio seguro de se estabelecer uma verdade, já que eles se tornaram fonte de distintas opiniões;  portanto, não podem ser visto como meios de conhecimento irrefutável. Os sentidos nos dão recursos para uma opinião tão somente, não mais do que isto.

                - Mas os sentidos são os instrumentos que nos levam a conhecer os cheiros, os sabores, os odores... - Continuou Aristóteles.

                - Os sentidos apenas reproduzem um conhecimento que já temos dentro de nós através da alma. Nós já conhecemos tudo através dela e cada coisa que experimentamos é apenas uma forma de relembrá-la do bem, da beleza, da justiça, do amor e tantos outros valores que nascem com a gente. - Explicou Platão.

                - Pois eu penso, apesar de crer que há atributos essenciais a cada ser, que precisamos ser educados para a virtude, pois não somos virtuosos por natureza, mas aprendemos a sê-lo através da educação. Nossa alma precisa, assim como nosso corpo, passar pelos mecanismos da educação para tornar-se também ela virtuosa.

                Aproveitando que a aula era ao ar livre, Platão, como de costume, usou elemento ali presente para defender sua tese:

Resultado de imagem para imagens de barcos                - Estão vendo aquele barco navegando? Pois bem... Se confiarmos apenas nos nossos sentidos, neste caso os nossos olhos, diríamos que é a vela quem empurra o barco e o faz mover. Entretanto, sabemos que é o vento, que não vemos, o elemento propulsor que verdadeiramente move o barco. E quem me informa sobre este conhecimento? É a razão!

                - Professor, está boa a discussão, mas eu preciso fazer as necessidades fisiológicas. Estou autorizado a ir até aqueles arbustos lá embaixo para responder a este chamado da natureza? - Pediu Aristóteles.

                - Claro, vá lá... E aproveite este tempo ocioso para refletir – Falou Platão sorrindo.

                Ao ver Aristóteles se afastar, Platão propôs ao demais educandos pregar uma peça em Aristóteles. Todos deveriam se esconder e esperar ele voltar a fim de deixá-lo indeciso sobre aonde teriam ido. Depois de algum tempo Aristóteles retornou, olhou para um lado, para outro, coçou a cabeça... Depois falou:

            - Ei, vamos lá, apareçam... Eu sei que vocês estão por aí!

            Platão foi o primeiro a sair do esconderijo.

            - Você viu algum de nós escondido entre as pedras e arbustos? - Perguntou.

            - Não. - Respondeu Aristóteles.

            - Sentiu nosso cheiro ou de alguém em particular? - Continuou Platão.

            - Também não – voltou a responder.

            - Alguma vez já fizemos esta brincadeira em aula para depreender que estávamos por aqui ainda? - Insistiu

            - Que eu me lembre, não! 

            - Você, Aristóteles, não nos avistou, tampouco sentiu nosso cheiro, jamais passou por esta experiência de ver toda a turma se esconder e, mesmo assim, afirmou saber nosso paradeiro quando disse: “Eu sei que vocês estão aí”. Como sabia?  Como chegou a esta conclusão?

            - Acredito que tenha sido intuição... Arriscou Aristóteles.

            - Não, não foi a intuição, mas a razão quem lhe disse que estávamos por perto mesmo sem você ter passado por esta experiência anteriormente.Então, se a razão é quem nos dá a sabedoria de enxergar o que os olhos não veem, de sentir o que as narinas não cheiram, de ouvir o que os ouvidos não ouvem, então, é ela quem deve guiar nossas ações, não é?

            - Neste ponto nós nunca discordamos, amado mestre. - Afirmou por fim Aristóteles.

            Platão deu a aula por encerrada e ao avistar Aristóteles saindo com os outros educando, pensou consigo: “Eu também te amo meu discípulo.”



LIÇÕES DO MESTRE PLATÃO

Platão continuou o discurso racionalista de Sócrates, indo além ao apresentar a teoria da reminiscência. Dizia existir dois mundos distintos: o Mundo das Ideias, onde habita a alma, ligado às coisas racionais, perfeito e imutável; e o Mundo Sensível, próprio do corpo, ligado aos sentidos, imperfeito e passageiro. Para cada coisa existente no Mundo Sensível, existe um exemplar perfeito e eterno no Mundo das ideias, ou seja, as coisas existentes em um não passa de cópias imperfeitas do outro. Segundo a teoria de Platão, a alma vem ao corpo e esquece de tudo o que é perfeito e belo que conhecia no mundo das ideias. Os sentidos ajudam a alma a lembrar das coisas existentes no Mundo das Ideias em cada momento que  vê e sente suas cópias, pois estas, embora cópias imperfeitas, fazem a alma atingir a lembrança. Ao lembrar, a alma volta a conhecer pela força da razão, de onde vem, portanto, o verdadeiro conhecimento. Isto demonstra que Platão não confiava neste mundo como lugar propício para ser feliz, pois como demonstra em seu Mito da Caverna, este é o mundo das sombras e dos enganos, principalmente porque pautamos nossas ações para o contentamento do corpo, das alegrias  transitórias e não para o contentamento da alma, voltadas às alegrias permanentes. Estar na caverna é observar as sombras projetadas ao fundo e tomá-las por verdadeiras, quando o original, belo e verdadeiro mundo está fora desta caverna. Platão nos ensina que não devemos estar presos a sensações que nos aprisionam, que parecem boas, mas nos fazem mal. Fala-nos da liberdade possível, que é aquela que nos conectam com o eterno. Se por um lado, afirma não haver felicidade plena neste mundo, já que o sentimento será sempre cópia dos sentimentos belos e eternos do Mundo das ideias, que procuremos aproximarmos o máximo possível destes sentimentos. Platão vislumbra, então, um outro mundo, diferente daquele que nosso corpo habita, onde não há dor, nem sofrimento. Por isso que existem alguns termos como "amor platônico", que é o amor impossível, idealizado e não realizável, a não ser, é claro, numa outra dimensão, para Platão chamado Mundo das Ideias, para outros, céu. Então, qual a mensagem de Platão para nossa vida? É mensagem de esperança, de que existe algo transcendente. Se, por um lado,  não há como viver plenamente nesta dimensão, aponta para o alto dizendo que os deuses nos farão justiça.



NA PISTA DO Dj PLATÃO

A pista de Platão é própria para os idealistas. Além de “Vamos Fugir”, de Gilberto Gil, apresentado no início do capítulo, está na discoteca de Platão a música “Além do Horizonte”, em que diz haver “um lugar calmo e tranquilo pra gente se amar”, do Roberto Carlos que também representa com a música “Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos”, onde afirma “um dia vou ver você pisando a areia branca, que é seu paraíso.”

Estar na pista do Dj Platão é permitir-se viajar, pois as músicas comparam-se, na literatura, ao que chamamos fuga da realidade, pois vão mostrá-la  dura e sofrida, mas vão também encher a pista de esperança.

A pista vai curtir muita Legião Urbana, pois Renato Russo, o letrista da banda, foi um afamado sofredor, sofrimento retratado por suas palavras ditas à mãe antes de morrer: “mãe, eu não sou daqui”. Várias músicas da banda retratam este sentimento: Em “Clarisse”, aparece o dualismo corpo/alma ao apresentar a depressão de uma jovem: “E Clarisse está sentada no banheiro, e faz marcas no seu corpo com seu pequeno canivete. Seus tornozelos sangram e a dor é menor do que parece, enquanto ela se corta, ela se esquece, que é impossível ter da vida calma e força”. Nessa música, a alma da jovem quer livrar-se do corpo, que lhe traz sofrimento e por isso o agride. Fica mais clara esta ideia nas frases seguintes: “Eu sou um pássaro, me trancam na gaiola e querem que eu cante como antes”. É a essência (alma/pássaro) presa à existência (corpo/gaiola). Esta visão está presente em outras músicas como “Desesseis” em que Jonhy bate em um caminhão por “culpa de um coração partido”, buscando na morte alívio para a dor. A música “Perfeição” começa com a frase “Vamos celebrar a estupidez humana...”,  seguindo-se à ela diversas outras que desabonam a vivência, mas que termina com a profecia: “Venha, o amor tem sempre a porta aberta e vem chegando a primavera... venha, que o que vem é perfeição”. A música “Natália”, que significa nascimento, começa com “Vamos falar de pesticidas e de tragédias radioativas, de doenças incuráveis, vamos falar de sua vida...”, numa clara desilusão do poeta com o mundo em relação à musa, sendo o mundo indigno de acolhê-la. No entando, termina a música afirmando: “E quem sabe um dia eu escrevo uma canção pra você”, dando a clara sensação de que possa existir um mundo idealizado, onde a musa possa ser plenamente homenageada. Um pouco antes de falecer, escreveu “O Sagrado Coração”, em que inicia perguntando: “Falam de um lugar, mas onde é que está? Onde há virtude e inteligência e as pessoas são sensíveis, e que a luz no coração é que pode me salvar”; e termina com um pedido: “Por isso lhe peço por favor, pense em mim, ore por mim, porque eu preciso de ajuda”.

Na pista do Dj Platão entra quem tem esperança de que um outro mundo é possível.

terça-feira, 24 de maio de 2016

PARMÊNIDES E O BEM VIVER



Viver é Eternizar

 


           
“Não te trago ouro
Porque ele não entra no céu 
E nenhuma riqueza deste mundo 
Não te trago flores
Porque elas secam e caem ao chão
Te trago os meus versos simples 
Mas que fiz de coração“
(Chimarruts)





PARMÊNIDES

“O ser é e o não-ser não é”

"Pois pensar e ser é o mesmo"

“Não importa por onde eu comecei, pois para lá eu voltarei sempre.”



         Acrone estava defronte ao espelho que ganhara de Heráclito há cinquenta anos. Ficara viúva e agora estava só, novamente só. O espelho é uma lembrança muito forte, pois foi o primeiro presente que ganhara de Heráclito, justamente no dia em que aceitou o seu cortejo. Cinquenta anos se passaram e o espelho permanecia com ela, ao contrário dos ramalhetes de flores que Heráclito trazia em suas inúmeras e primordiais tentativas de namoro; e do próprio Heráclito que há um tempo se fora. As lembranças também continuavam presentes a ponto de Acrone ter vivas as palavras de Heráclito de que o espelho era para que ela lembrasse todos os dias da existência da beleza… e… da feiúra, pensava agora.

Resultado de imagem para imagem de idoso no espelho           Com certeza um galanteador – pensou Acrone consigo – Agora a imagem que via no espelho não condizia com as palavras de Heráclito e, ironicamente, condizia com sua filosofia de que tudo muda, tudo passa… Talvez Heráclito estivesse aplicando sua teoria à ela, quando lhe deu o espelho. Agora a imagem que Acrone via mostrava uma pele flácida e enrugada, cabelos maltratados e tristeza no olhar, muito diferente da imagem jovial de quando ganhara o espelho, exceto pela tristeza no olhar, que continuava a mesma do dia em que foi presenteada, pois o lugar que Heráclito supunha preencher na verdade ocupava um lugar ao lado. A alegria de um novo amor não estava inversamente proporcional à tristeza que ainda sentia. Irritada com a atual opinião do espelho sobre ela, Acrone o virou para a parede a fim de não mais ouvi-lo, pois sua voz soava estrondosamente dolorosa.

           Nem percebeu, em sua ira, que postado em frente à porta aberta estava um homem de mais ou menos setenta anos. Ao virar-se levou um susto:

           - Quem é você? – Quis saber Acrone

           Avançando dois passos, o homem lhe falou:

           - Um velho amigo...Não me reconhece?

          Acrone levou a mão ao peito ao reconhecer o homem que estava à sua frente, espantada com a aparição, mal conseguia balbuciar palavra alguma.

            - Parmênides!?

           Como era possível Parmênides estar ali se, segundo lhe informaram, havia morrido a mais de cinquenta anos na Macedônia? Depois de muito tempo estava à frente de Acrone seu primeiro e grande amor. O mundo dera um giro e voltara ao ponto inicial. Como pode? – pensou.

           - Por onde andou? Por que sumiu? Por que me abandonou? – Conseguiu finalmente falar Acrone, fazendo com que as perguntas saíssem automaticamente.

  - Calma – pediu Permênides – Eu explicarei o que aconteceu! – Falou, pegando nas mãos de Acrone.

           Parmênides recuperou o fôlego, olhou nos olhos de Acrone e começou a esclarecer sobre seu sumiço por tantos anos.
           - Assim que cheguei na Macedônia, caí preso, confundido com um inimigo do reino. Fiquei incomunicável por dois anos, por isso não consegui contato contigo. Depois que me libertaram, ao se darem conta do engano, voltei, mas soube que você não me esperou, já se encontrava casada com Heráclito…

           Acrone esbouçou interromper Parmênides, mas ele fez um gesto com as mãos de que iria continuar falando:

            - Não a culpo, Acrone, afinal, eu havia desaparecido. Você precisava seguir em frente. Então, resolvi não aparecer novamente, deixar sua vida fluir, como dizia Heráclito.

            - A informação que tínhamos é de que você havia morrido – esclareceu Acrone – prestei luto por um ano inteiro. Se eu soubesse, haveria de te esperar.

           Então Parmênides e Acrone não seguraram seus impulsos, se abraçaram e, quando menos esperavam, os lábios se encontraram mais de cinquenta anos depois do primeiro beijo. A textura dos lábios se modificara, mas o sabor permanecia o mesmo.

            - Agora que estou velha – falou Acrone, depois que os lábios se desgrudaram – tenho a oportunidade de gozar da sua companhia. Parece injusto, já que temos tão pouco tempo!

            - O tempo, como tudo que existe, é eterno e imutável – Filosofou Parmênides – Tal como permaneceu eterno e imutável o nosso amor.

            Então Acrone foi até o espelho que ganhara de Heráclito e novamente o virou, desta vez para si.

            - Quando Heráclito me deu este espelho eu conseguia ver através dele alguém jovem e bela… - Lamentou Acrone, mostrando a Parmênides que ela não era mais a mesma de antigamente.

            - E o que vê agora? – Interrompeu Parmênides.

            - Flacidez, rugas… Como Heráclito dizia: tudo muda, tudo se transforma…

Resultado de imagem para imagem de idoso no espelho            - Menos a opinião dele e… para ser justo, a minha… Ainda lembro de nossos embates sobre o assunto. Heráclito olhava o mundo como o público olha a atuação de um mágico e não percebia os truques da natureza. Tudo no mundo físico é transitório e passageiro porque são observados pelos sentidos. Não confie nos sentidos, Acrone! Eles nos enganam. O ser é e o não ser não é, pelo simples fato de que a essência de algo é eterna e imutável, como o ser é sua própria essência, também o ser, qualquer ser, é eterno e imutável.

        - Mas o espelho me diz o contrário… - Falou ironicamente Acrone, um tanto contrariada com a imagem refletida.

           - Olhe novamente, encare-o – Falou Parmênides segurando os ombros de Acrone – Não observe a imagem com olhos da face, eles nos enganam… Observe com os olhos da alma. Assim, chegará a conclusão de que a Acrone jovem e a Acrone de hoje são exatamente a mesma pessoa. As opiniões, a maturidade, não transformaram este ser chamado Acrone numa outra pessoa, pois a essência permanece inalterada desde seu nascimento. Olhe sempre o mundo com os olhos da alma… Ponha alma nas coisas para que façam sentido, senão sua vida não será mais que um truque de mágica. Não há sentido em confiar nos sentidos! – Falou Parmênides sem se conter em fazer o trocadilho – Se você der importância ao que é transitório, como as rugas, por exemplo, realmente não poderá ser feliz, porque estará ressaltando a finitude, a morte; se por outro lado, der mais importância ao que está dentro de você, o infinito será revelado por sua alma e a fará feliz. Não dê importância ao existencial, que se apresenta e some, dê importância ao essencial e se tornará eterna.

Resultado de imagem para imagem de casal de idosos           Então Acrone percebeu que Parmênides ainda a amava com o mesmo fervor de antes e que ela sentia o mesmo em relação a ele. A alegria voltou a habitar seus olhos como se fosse um passe da mágica, desta feita uma mágica eterna. Virou-se para Parmênides e novamente se beijaram. Então, como antigamente, se amaram ali mesmo, em pleno assoalho onde tudo começou… E foi como se o tempo não tivesse passado.


LIÇÕES DO MESTRE:


Parmênides contrapôs Heráclito em sua visão mobilista, afirmando que as transformações não passam de enganos dos sentidos, pois o ser é eterno enquanto ente existente, mesmo que seja finito em si mesmo, pois ele começa e termina exatamente com os mesmos atributos, ou seja, cada ser é o que é, sem nada ser acrescentado ou modificado, pois do contrário deixa de ser o que é e passa a ser outra coisa. Em outras palavras, afirma que não podemos confiar nos sentidos. Não importa quantas vezes uma pessoa entra num mesmo rio, ambos serão sempre os mesmos, pois rio é rio e pessoa é pessoa e sempre assim serão, os sentimentos brotados em cada banho não passam de momentos passageiros.
Se levarmos esse pensamento para a questão do ser humano, veremos que Parmênides valoriza a essência, o interior, a introspecção e o pensamento. Se, por exemplo, colocarmos lado a lado um indígena e um asiático e analisarmos à luz da filosofia de Heráclito, diremos que ali estão um indígena e um asiático, ressaltando as diferenças, um essencialmente indígena, outro essencialmente asiático. Se a mesma análise for feita à luz da filosofia de Parmênides diremos que estamos diante de dois seres humanos, ressaltando o que os une, a sua essência primordial, e não o que os divide.
Assim, cultivar a essência e se importar com as coisas duráveis é a grande lição do mestre Parmênides para nossa vida. Que seja verdadeiro cada amor, cada ato, cada beijo, cada toque... Não há espaço para momentos efêmeros e desprovidos de sentidos. Ensina ainda que somos todos iguais e, se assim somos, temos a capacidade de ser o que o outro é, sem deixar que nos façam diminuídos ou derrotados. Assim, cada vez que o abatimento se aproximar, saiba que a força está em seu interior e é ali que estará a solução, por mais ou menos rugas que o espelho lhe mostre.



Na Pista de Parmênides

O Dj Parmênides traz à pista um momento de introspecção e monotonia.

Pode começar com “Por enquanto” da Legião Urbana que, embora traga em seu título a volatilidade das coisas passageiras e faça um jogo constante entre o efêmero e o eterno, termina por afirmar: “estamos indo de volta pra casa”, pois como afirma Parmênides, tudo volta ao início.

Segue tocando “Flores” do Titãs, pois mesmo que morram todas as flores naturais, como afirma a música, a ideia fica, seguindo a máxima de Parmênides de que “pensar e ser são o mesmo” e, como diz a música, “as flores de plástico não morrem”.

Também tem espaço para “Planeta Água” de Guilherme Arantes ao afirmar: “Águas que movem moinhos são as mesmas águas que encharcam o chão e sempre voltam humildes pro fundo da terra”.

O Dj também está atento a um romance que pode pintar na pista, então pode rolar a Sandy cantando: “por ser imortal, não morre no final...” ou “Me leva”, do Tim Maia que diz “com você no verão, primavera, outono ou inverno, nosso caso de amor tem sabor de sonho eterno”.

Ainda rola Cazuza quando fala “amor da minha vida, daqui até a eternidade”.

O som da Banda Catedral será o mais executado com músicas como “Eu amo mais você do que eu” que traz frases do tipo “a verdade é absurda no plural” e “penso infinitamente sem parar, a verdade é transparente no mirar da tua retina, minha menina”; ou como a música “Atemporal” que afirma: “Eterno enquanto dure tem um final, mas meu amor por você é atemporal”, contrapondo-se a famosa frase heraclitiana de Fernando Pessoa sobre o amor ao dizer ser eterno enquanto dura.

A playlist com as músicas internacionais contém My Way (Eu planejei cada caminho do mapa, cada passo, cuidadosamente, no correr do atalho) e One, do U2, merecendo um bis com a versão de Jonnhy Cash.


Nesta pista o som é o da eternidade, que ressalta os sentimentos duradouros, levando-nos a refletir sobre a eternidade e dançar ao rodopio de uma sensação nostálgica que de repente nos acomete: Somos tão jovens...

sábado, 21 de maio de 2016

HERÁCLITO E O BEM VIVER



VIVER É MOVER


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 “Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa, tudo sempre passará.
A vida vem em ondas, como um mar
Num indo e vindo infinito
Tudo que se vê não é Igual ao que a gente viu a um segundo
Tudo muda o tempo todo no mundo
Não adianta fugir nem mentir pra si mesmo agora
Há tanta vida lá fora
Aqui dentro sempre como uma onda no mar

(Como Uma Onda no Mar) Lulu Santos / Nélson Motta






HERÁCLITO

“ Tudo Flui “

“ Não se pode entrar duas vezes num mesmo rio, pois as águas se renovam”


         Acrone havia perdido seu grande amor. Soubera de sua morte na guerra há algumas semanas e agora estava ali, à beira do riacho, a chorar a perda... O jovem Heráclito, desde então a cortejava.

          - O mundo funciona assim, minha linda Acrone, tudo passa... Precisamos estar abertos ao novo e às inevitáveis transformações. O verão que ora volta nunca se repete, pois sempre trás novas sensações e novos ares são sentidos. Muito desta transformação se deve não somente a um novo verão, mas também às sensações novas que nascem em você a cada verão. Lembra as flores que te dei dias atrás?...

          - Falas daquelas que já murcharam? – Ironizou Acrone, interrompendo, sem parecer abrupta. Seu jeito meigo não deixava jamais transparecer rudez.

          - Trouxe-te outras – Respondeu Heráclito, apresentando a ela o ramalhete que trazia escondido – elas são como tudo que existe, Acrone, enquanto umas morrem, outras nascem.

          - Prefiro as coisas mais duradouras – Sentenciou Acrone – novamente com a sua peculiar candura.


Resultado de imagem para imagem de jovem a beira do rio          - Sei que ainda te ressentes da perda de um grande amor, ele era meu amigo também, mesmo em que pese os embates acadêmicos que promovíamos. Mas, escute, nada é para sempre. Quanto antes te deres conta disto, mais sofrimento te será poupado, pois mais tempo terás para viver um novo amor. Faça isso enquanto ainda tens vitalidade e beleza para viver com a maior intensidade possível. Veja aquela borboleta, antes lagarta, viveu cada fase da forma como deveria viver. Já foi feia, nojenta e agora é bela, já rastejou e agora voa, vive a cada momento como se fosse um momento único. Se não deres chance à felicidade do momento, perderás a mágica do mundo que é a multiplicidade das cores e das coisas. Depressiva, verás apenas o cinza.

          - Talvez tenhas razão e eu deva dar uma nova chance à vida. Aceito seu cortejo. – Respondeu Acrone, resignada.

          - Fico feliz por me aceitares e vou tentar fazer com que cada momento teu e cada momento meu, seja um momento nosso… Por falar nisso, ontem não te vi. Onde estavas? – Perguntou Heráclito.

          - Eu nem bem aceitei seu cortejo e já estás me cobrando? Ainda mais sobre ontem! Segundo seu discurso, isto já é passado – Brincou Acrone.

          - Não é isto... Só perguntei por perguntar... Mera curiosidade – Respondeu Heráclito.

          - Eu estava vendo um espetáculo na praça em que um homem oriental, muito diferente de nós, de olhos puxados, provavelmente um mágico, fazia saltar fogo de um pó que ele chamou de… como é mesmo… Ah! Lembrei, pólvora!

   - De um pó? Interessante... Sempre achei que as coisas, inclusive o pó, viessem do fogo, que tudo destrói para depois renascer. É como nosso relacionamento, que só está começando porque houve o rompimento de um outro. – Divagou Heráclito, sem perceber que estava fazendo Acrone relembrar seu grande amor.

          - Venha… Vamos nos banhar? – Propôs Acrone já entrando no riacho.

Resultado de imagem para imagem de casal num lago         Heráclito seguiu sua amada. Jogavam água um no outro, quando se aproximaram e se beijaram pela primeira vez, deixando-se levar pelo momento.

           - Nunca, Acrone, o banho neste rio será igual e duvido que alguma vez seja tão bom. É por isso que devemos viver intensamente cada momento, porque ele é único, irrepetível... As águas já não serão as mesmas e tampouco nós, quando aqui voltarmos... – Falou Heráclito, olhando diretamente nos olhos da amada - Venha, vamos ao povoado, quero dar-lhe um presente!

           Acrone e Heráclito saíram caminhando rumo ao povoado e, chegando ao mercado, Heráclito a presenteou com um espelho.

         - Este espelho é para você lembrar, todos os dias, ao olharmos juntos, que o tempo passa e tudo se transforma, pois o mundo existe pela força da movimentação dos contrários: o quente em contraposição ao frio, o seco ao úmido. Enquanto um fenece o outro surge, pois enquanto algo esquenta, deixa de ser frio na mesma medida.

        Então saíram do mercado e mais uma vez Acrone lembrou-se de seu inesquecível amor, que lhe havia jurado amor eterno antes de deixar a vida. Talvez – pensou ela – Heráclito tivesse razão quanto às águas do riacho e às borboletas, mas não podia dizer o mesmo sobre o amor que ainda nutria por Parmênides.


LIÇÕES DO MESTRE

Heráclito observava o mundo como algo em constante movimento e constante fluir; por isso, é tão cheio de cores e formas, já que tudo se transforma o tempo todo. Guarda, portanto, uma consciência do devir, do futuro, daquilo que está por chegar, pois um bule de chá exposto ao calor do fogo necessariamente esquenta, assim como volta a esfriar depois de exposto ao ar. Tudo isto se dá pela força dos contrários, principalmente entre o úmido, o seco, o quente e o frio, obtidos através da presença da água, da terra, do fogo e do ar; os quatro elementos primordiais da natureza, com reinado do fogo, pois o fogo devasta e, da devastação, nova vida surge.
Em nossa vida física estas transformações são evidentes, os anos passam, sobram rugas, experiências se somam... Por conseguinte, a filosofia de Heráclito também está presente em outros aspectos de nossa vida. Como seres subjetivos, ou seja, diferentes uns dos outros e singulares, somos pautados por experiências e formas diferentes de lidar com elas; assim, diferentes somos e, por vezes diferentemente agimos em diferentes momentos em cima de uma mesma situação, pois como afirma Heráclito: "não se pode entrar duas vezes num mesmo rio", pelo simples fato de que tanto as águas do rio, quanto quem entra nele não são mais os mesmos quando interagem pela segunda vez.
Heráclito ensina: Se tudo está em movimento é porque tudo não passa de um momento; então, o façamos mágico. A tristeza de um dia pode dar lugar à alegria na manhã seguinte. O sol sempre volta e um momento difícil não é o fim. Sempre existe a chance de recomeçar, não há derrota que se perpetue. Heráclito realça o significado da esperança, esta palavra que não aceita a derrota, deixando claro que o luto e a dor vez por outra nos aborrecerão, mas a alegria não tardará. Devemos confiar nos sentidos como meio de nos levar a viver intensamente. Sentir, amar, vibrar, tocar, dançar… Viver cada momento como se fosse único e trazer para dentro de si a multiplicidade que se observa nas flores, nos pássaros, nas formas naturais; juntando as cores e deixando a nossa vida mais bela.



NA PISTA DO Dj  HERÁCLITO

Algumas músicas podem fazer a trilha sonora na pista do DJ Heráclito.

Além de “Como Uma Onda no Mar”, apresentada no início do capítulo, temos a “Metamorfose Ambulante”, quando alguém gritar: “toca Raul”, pois nela o genial cantor diz: “Eu prefiro ser, esta metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”.

As músicas vão ao encontro da teoria heraclitiana de que tudo está em movimento, tudo flui...

Assim é a pista de dança do DJ Heráclito.

A pessoa que estiver nela deve estar pronta para a mudança de ritmos que a pista impõe, não pode estar presa a conceitos e preparado para acolher na pista as diferentes tribos.

Dançar sem pensar no amanhã. Vibrar com as cores.

Na pista da vida, o importante é curtir e saborear cada momento, pois ele é único. Cada sabor, cada cor, cada toque, têm consigo a eternidade do tempo que durar e só, por isso devem ser saboreados com a maior intensidade possível.

O artista mais tocado na pista do Dj Heráclito é Lulu Santos. Em “A Cura” ele canta: “demolirá toda certeza vã, não sobrará pedra sobre pedra”, na música “Tempos Modernos” é ainda mais contundente em sua visão mobilista: “Não há tempo que volte amor, vamos viver o que há pra viver, vamos nos permitir”. Heráclito, no conto apresentado neste capítulo, quis mostrar exatamente esta possibilidade para Acrone.

Na playlist internacional estarão músicas como What a Wonderful world, em que o eu-lírico vê e curte o mundo como quem passeia.

sábado, 14 de maio de 2016

ARISTÓTELES E O BEM VIVER




Viver é equilibrar



"Viver...
e não ter a vergonha
de ser feliz.
cantar e cantar e cantar
a alegria de ser um eterno aprendiz."

(Gonzaguinha)



Aristóteles


"A educação tem raízes amargas, mas seus frutos são doces"


     Alexandre, o Grande, estava longe demais de casa. Olhou para seu destemido exército, que neste momento se encontrava descontente pelo tempo longe de seus familiares. Veio-lhe à mente o tempo de criança e os ensinamentos de um mestre em particular: o filósofo Aristóteles.

     - Por que eu tenho que ficar aqui, se meus amigos estão lá fora brincando? – Perguntou o pequeno Alexandre, avistando outras crianças pela janela.

      - Irás brincar em seguida, meu pequeno senhor – Disse Aristóteles – Primeiro, quero que penses no universo. Veja como cada coisa está em seu devido lugar... Com a sociedade acontece o mesmo. Aqueles meninos e meninas não são Alexandre e por isso não devem se preocupar em se preparar para resolverem assuntos que no futuro Alexandre terá que resolver. No futuro deles não existe um reino para administrar, mas no seu futuro, tal situação é uma imposição do destino. 

       - Então quero um bom reino para governar... O que deve haver para um reino seja bom? – Perguntou Alexandre.

       - Harmonia... Um reino de bons cidadãos formam um bom reino, com cada cidadão fazendo o que lhe cabe dentro da célula social. É por isso que você está aqui, preparando-se para exercer a monarquia, porque será rei, enquanto outros serão soldados, artesãos, comerciantes... Por isso, penso que a Aristocracia seja a melhor forma de governo, pois no governo devem estar os melhores. Reúna os melhores conselheiros em torno de si para tomar as melhores decisões.

       - Para se fazer um bom reinado, o que um monarca precisa? – Perguntou Alexandre.

       - Equilíbrio! O caminho do meio é o caminho da sabedoria, o que chamo de justa medida. Aliás, assim deve acontecer também na vida. Quer um exemplo? O que acontece se salgo por demais a comida? Ficará saborosa?

       - Ficará intragável – Disse Alexandre.

       - E se por acaso eu deixar sem sal... – Continuou Aristóteles.

       - Ficará sem gosto – Completou Alexandre.

       - Pois bem, a comida só ficará boa se for temperada na medida certa e é assim que todos devem viver e, no seu caso, reinar, como futuro monarca. 

       - Como saberei qual a dosagem certa? Eu não sei, por exemplo, temperar a comida... Refletiu Alexandre.

       - É por isso que está se preparando para ser rei – respondeu Aristóteles sorrindo – Daquelas crianças que estão lá fora brincando, provavelmente uma delas será seu cozinheiro, que aprenderá o ofício no momento oportuno. Já a sua educação, pequena majestade, requer mais tempo pela importância da função que irás cumprir, por isso estás aqui a se preparar para tal função. A virtude não é algo que temos por natureza, mas algo que treinamos para ser parte de nosso caráter.

        - E por que tudo isto? Por que é importante praticar a virtude? – Perguntou Alexandre.

        - Tudo o que fizermos em nossa vida será em busca de um único objetivo, a felicidade, pois não há nada além dela, é o fim último de nossas ações. – Respondeu o mestre.

        - Pois eu estaria bem feliz se estivesse lá brincando com os meus amigos. – Falou Alexandre ironicamente. 

        - Isto é prazer, meu pequeno. Momentos de gozo não significam exatamente uma vida feliz; já disse que daqui a pouco estará brincando com eles, pois tudo tem seu tempo. A felicidade plena só chega com a prática da virtude. – Respondeu Aristóteles.

        - Como saber o que é e o que não é virtude? – Quis saber Alexandre.

        - O que você mais admira em um soldado? – Perguntou Aristóteles.

        - A coragem! – Respondeu convicto o educando.

        - Disseste bem, a coragem é uma virtude a todos, mas é primordial para um soldado. É exatamente por isso que o soldado treina para obtê-la. O que acontecerá, majestade, se um soldado bravamente se lançar à frente de sua tropa, sem nenhuma proteção?

        - Com certeza, morrerá! – Sentenciou Alexandre.

       - Neste caso, este soldado não praticou a coragem, mas a temeridade, que não é uma virtude, mas um vício por excesso. Sua ação temerária não foi sábia, pois usou a coragem em excesso e morreu por isso. Agora, façamos um exercício ao contrário. Digamos que um soldado se esconda atrás das tropas e, no momento oportuno, fuja da batalha. É ele um soldado corajoso?

          - Claro que não, é um covarde! – Respondeu Alexandre.

          - Pois bem, a covardia é a falta de coragem. Tanto pecar por excesso, quanto por falta, torna um cidadão sem virtude. 

Alexandre ficou pensativo olhando as crianças pela janela quando foi interrompido pelo seu mestre:

          - E quanto a Alexandre, que tipo de imperador quer ser? – Indagou Aristóteles.
          - Quero ficar na história como o maior de todos os imperadores, maior até que meu pai. Eu quero a glória!

          Conhecendo o espírito bélico de seu pupilo e a cultura da conquista de seu povo, Aristóteles entendeu o que ele quis dizer com “ser grande”…

          - Há várias formas de ser grande, majestade, assim como várias são as formas de ficar grandemente na história. Conquiste o coração do povo, pois talvez esta seja a melhor virtude de um rei.

          - Esta é a minha ambição… Por falar nisto, ambição é uma virtude, não é? – Perguntou Alexandre.



          - A ambição é um desvio por excesso da prudência que, neste caso, é a virtude correspondente, tendo como vício por falta a moleza ou apatia. A realeza não tolera a apatia e, tampouco, a ambição, que pode levar à perdição, então o bom rei, assim como o bom cidadão, deve ser prudente em seus desejos. Não se esqueça disso, meu pequeno... Agora, vá brincar com seus amigos. – Ordenou Aristóteles, enquanto observava o garoto bater a porta.

          Agora, Alexandre, já imperador e ainda jovem, conquistara boa parte das terras conhecidas no mundo. Lembrava-se de que sua ambição desmedida o trouxera até ali e arrastara consigo seu bravo exército, formado por homens que deixaram para trás mães, pais, filhos, esposas..., em busca da glória. Alexandre tornara-se realmente grande para a história, mas agira como aquele soldado que se lança temerariamente contra o inimigo, pois as terras longínquas lhe apresentaram a febre que agora tomava sua vida. Já não havia mais honra em olhar nos olhos de seus comandados. Pensou consigo que talvez precisasse ter dado mais ouvidos sobre o que Aristóteles tinha a dizer quando ainda criança, assim estaria se preparando melhor para a função a qual estava destinado exercer. Seria um monarca mais presente na vida de seu povo e, quem sabe, um cidadão mais feliz.



LIÇÕES DO MESTRE


          Contrariando seu mestre Platão, Aristóteles acreditava que a virtude não existe naturalmente em nós, ela deve ser ensinada, treinada e cultivada. Não é algo a ser despertado, mas alcançado através da prática. Assim, tal como um profissional fica melhor em sua área de atuação na medida em que treina o ofício, cada sujeito deve treinar para ser virtuoso, pois praticar o bem continuamente é o caminho para ser bom. E por que praticar a virtude? Para Aristóteles, o fim último da vida, o objetivo final, é alcançar a felicidade que, por sua vez, só pode ser alcançada através da prática da virtude. E o que é virtude? Virtude é a prática do bem, que é o meio-termo, o equilíbrio. A pessoa ambiciosa, por exemplo, perde-se em sua própria ambição, pois passa a viver nela e não para si mesma, perdendo o domínio e o auto-controle, sendo escravo daquilo que ambiciona. Do mesmo modo, esta pessoa não pode viver na moleza ou na apatia, pois não alcança seus objetivos e, com isso, não consegue ser feliz. Os extremos são caminhos tortuosos; então, neste caso, a virtude é a modéstia, o meio-termo entre a ambição e a apatia, pois como nos ensina o mestre: "A sabedoria está no meio".



              Na Pista do DJ Aristóteles


            Se Platão busca a felicidade num outro mundo, Aristóteles quer ser feliz aqui. Então, na pista do Dj Aristóteles as músicas executadas tratam desta busca, sempre de forma equilibrada.

             Então, estarão no repertório músicas sertanejas que falam da vida no campo, tais como "Vida Boa" de Renato Teixeira que diz: "Tenho no quintal, uns pés de fruta e de flor, e no peito por amor plantei alguém..."

               E também muitas das do samba de raiz que tratam desta felicidade, tal como "Não deixe o Samba Morrer", de Edson Conceição e Aloísio Silva, que diz: "Eu vou ficar no meio do povo espiando a minha escola, perdendo ou ganhando, mais um carnaval." 
  
                Pode-se incluir também a música "Quando a Chuva Passar" de Ramon Cruz, lançada por Ivete Sangalo, que diz: "quando a chuva passar, quando o tempo abrir, abra a janela e veja eu sou o sol, eu sou o céu e mar, eu sou céu e fim, e o meu amor é imensidão..."

                O forró não poderia ficar de fora, pois a alegria é uma de suas temáticas. A música "Rindo à toa", da grupo Falamansa, nos convida a procurar a felicidade mesmo em momentos difíceis, quando diz: "toda a mágoa que passei é motivo pra comemorar, pois se não sofresse assim, não teria razões pra cantar...". Em outras palavras, deve-se fazer de um limão, uma gostosa limonada.

                 As estrelas da pista do DJ Aristóteles se dividem entre Renato Teixeira, para os mais reflexivos, e cantoras como Ivete Sangalo e Cláudia Leite, para os mais festeiros, num trio elétrico com grupos de forró e axé.