terça-feira, 29 de outubro de 2013

As Reticências...



Não há, na pontuação, um sinal mais significativo que as reticências.
Elas não têm o autoritarismo do ponto final nem a sua falta de perspectiva.
Tampouco são chamativas como o ponto de exclamação!
Nem se cercam de dúvidas como a interrogação, apenas deixam margem para se pensar que existem.
As reticências significam liberdade...
Elas dão vazão à esperança...
As reticências estimulam a imaginação; depois delas, qualquer coisa pode fluir...

Inclusive a distração...

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

O Banquete: Um diálogo possível sobre Ética

AGATÃO: Este banquete tem como tema a questão ética e proporei como texto de estudo a música Faroeste caboclo, para que, a partir das situações vividas pelos personagens, possamos debater segundo as convicções dos senhores que se fizeram adequadas.

(Os pensadores ouviram a música)

E leram a história (letra)


ROUSSEAU: Encontro minha filosofia nesta narrativa. Acredito que o homem nasce bom e a vivência em sociedade o corrompe, porque desperta um desejo de competição que o leva a atitudes mesquinhas e pequenas. O primeiro verso deixa claro esta condição primitiva de bondade, pois não ter medo significa, nesta situação, não conhecer o mal. A morte do pai despertou em João de Santo Cristo um ódio pela vida e a visão de que todos eram seus inimigos. Esta inimizade, na humanidade, começou quando um primeiro cercou um pedaço de terra e disse: “isto é meu!” e não houve ninguém com suficiente clareza para arrancar aquelas cercas. A partir daí cada qual passou a defender o que é seu, vizinhos se desentenderam, países guerrearam...

HOBBES: Falas, caro Rousseau, como se esta competição tivesse sido induzida por um fator externo, como o tiro que matou o pai do rapaz, por exemplo. Negativo! Estes sentimentos nascem conosco, pois não diferimos dos outros animais nesta questão. Digo que o homem é lobo do homem! Ao contrário do que dizes, o homem é naturalmente mau e a sociedade é quem cria mecanismos para educá-lo na virtude. João de Santo Cristo teve chances, quando criança e quando adulto, mas teimou sempre em ser lobo.

SÊNECA: Tudo seria muito mais tranquilo se João de Santo Cristo não lutasse tanto contra o seu destino. Ele viveria muito mais feliz se deixasse as coisas acontecerem naturalmente. A aceitação de sua condição, no mínimo, lhe traria paz para viver decentemente, trabalhando e, talvez, formando uma família.


AGOSTINHO: Faltou a todos os personagens a opção por Deus. A boa ação é aquela que nos aproxima de Deus e a má ação aquela que nos afasta Dele. Onde falta Deus brota o mal.





SARTRE: Penso que Rousseau e Hobbes erram quando falam em essência humana, pois primeiro existimos e a nossa essência - aquilo que somos - se forma a partir de nossas escolhas, o que quer dizer que não temos nenhuma natureza pré-existente, boa ou má. Também não existe destino como diz Sêneca, nós é quem o fizemos. E Deus, mesmo que existisse, não interferiria em nossas ações, porque somos condenados a ser livres.  Sozinho fiz o mal, sozinho inventei o bem. Não temos a quem culpar por nossas ações, pois somos pautados pela liberdade. Os personagens da história em questão agiram livremente, fizeram suas escolhas e suas ações não podem ser atribuídas a fatores externos, pois estes podem influenciar, mas jamais determinar as decisões pessoais.

AGOSTINHO: É o que chamo de livre-arbítrio dado por Deus, nós escolhemos entre o bem e o mal, como Adão e Eva...

SARTRE: É um contrassenso o que dizes. Uma liberdade pautada por uma força superior não é liberdade. Como posso ser livre se tenho que fazer a vontade desta força? Não existe meia liberdade. Não se pode ser meio livre, como não se pode ser meio morto.

NIETZSCHE: E olha que nem é a vontade deste Deus inventado, mas a vontade da Igreja de Agostinho que, influenciado pelas ideias racionalistas de Platão, teorizou um modo de amarrar as pessoas às normas e regras de conduta que atentam contra a natureza humana. Passaram a tudo proibir. Estamos condenando os personagens desta história sob a batuta destas regras estúpidas. Devo admitir que Maria Lúcia é a personalidade mais fraca, não pelas razões anteriormente expostas pelos colegas de banca, mas pelo fato de que ela vivia ao sabor dos desígnios dos outros personagens, não tinha amor próprio. Por outro lado, era justo o ódio de João de Santo Cristo e ele viveu intensamente até conhecê-la, entregando-se aos ditames da sociedade moralista, como formar família, com empreguinho e casamento.

HOBBES: O que estás a propor, caro Nietzsche, é a barbárie!  Como disse anteriormente, nascemos maus e se não houvesse uma lei e uma obrigação moral que regulasse as ações cada qual agiria conforme seu bem entender, sem qualquer controle.

NIETZSCHE: O problema é justamente o controle. A única lei a ser seguida deveria ser a lei natural, a lei do bem viver.


EPICURO: Bem viver é justamente o que faltou aos personagens. Como o fim último da vida é buscar o prazer através da tranquilidade da alma e da serenidade, devo concordar com Sêneca quando diz que João de Santo Cristo deveria esquecer o fato da morte de seu pai, a princípio, através do exercício do perdão. A agonia da cena guardada em seu coração se estendeu por toda a vida. Além do mais, ele desejava demais, quando poderia ser feliz com o que tinha e onde vivia.

NIETZSCHE: Perdão e piedade são para os fracos. O moralmente forte age segundo sua natureza. O ódio de João de Santo Cristo era justificável. Controlar os sentimentos é ir contra a lei natural e fraudar o que é puro.


ARISTÓTELES: Pois penso que a função da razão é justamente dominar as inclinações e as paixões. O bem viver é viver com equilíbrio, pois a virtude está no meio. Há duas formas de falhar: por excesso ou falta. Duelar com Jeremias não foi um ato de coragem - que seria a virtude – mas um ato temeroso – o vício por excesso.  João agiu emocionalmente pela ira. Jeremias, por sua vez, praticou a covardia ao atirar pelas costas – o vício por falta, falta de coragem.


SÓCRATES: Só se erra por ignorância. O ser moral é o ser de conhecimento. Praticar o conhecimento é o bem agir. Os personagens em questão viveram à sombra de suas crenças, não procuraram a razão e nitidamente sofreram muito durante suas vidas. Seu conhecimento era, portanto, precário de verdade e sabedoria...


PLATÃO: Típico caso, se me permite o mestre interromper, de pessoas que vivem nas sombras da caverna. O medo do desconhecido os impediram de sair para fora e conhecer o verdadeiro mundo. Enquanto a alma era pura, como diz a música, João de Santo Cristo não tinha medo, o que equivale dizer que não conhecia o mal. O corpo, que habita o mundo sensível das aparências e enganos, através das experiências contaminou a alma, até então pura.


PROTÁGORAS: Pois penso que cada personagem vivenciou sua experiência, conforme sua ética, seu modo de pensar e sua percepção particular de mundo. Assim como cada qual aqui está julgando segundo o que acredita ser certo ou errado. O mundo existe conforme a visão de cada um e a vida e modo de viver se deu conforme as escolhas dos personagens. Quem disse que João ou Jeremias queriam vida e fim diferentes? Trocariam a curta vida que tiveram por uma vida longa sem emoção?


JONH STUART MILLS: Toda ação deve culminar em felicidade ao maior número possível de pessoas, mas tem que obrigatoriamente ser útil, pois os fins justificam os meios. Não vejo benefício algum, nem para os personagens, nem para a sociedade as decisões tomadas pelos personagens da música. O único momento de boa decisão foi quando João de Santo Cristo resolveu trabalhar, constituir família com Maria Lúcia. Eles pareciam felizes e a sociedade ganhou com ele vivendo segundo as regras dela.


IMMANUEL KANT: Penso de forma contrária a Stuart Mills. Para mim não importam os resultados, mas a intenção do agente moral. Sêneca tem razão quando diz que não está em nossas mãos o controle  dos acontecimentos, pois às vezes queremos produzir algo e sai outro diferente. Temos culpa? Respondo que não, porque neste caso a intenção era boa. O final da música revela a intenção de Santo Cristo e era uma intenção boa, humanitária, que visava o bem social. Durante a música percebe-se que Santo Cristo sempre tenta fazer o melhor, mas algo sempre o desvirtuava do bom caminho.

NIETZSCHE: De boas intenções o inferno está cheio. O “bom caminho” que você se refere é o caminho dos padres, pastores e racionalistas. Gostam do Santo Cristo cordeirinho, enquadrado nos ditames de suas regras estúpidas que fazem as pessoas trocarem o bem viver pela prisão que estas normas e regras impõem.



DESCARTES: Como racionalista devo dizer que as paixões só levam a enganos e torturam a consciência. Concordo com Agostinho quando afirma que Deus e a Sua vontade são o direcionamento, a rota a seguir, pois ele é o Supremo Ser Pensante. Também concordo com Sócrates no que se refere ao conhecimento e a razão como elementos guias das ações.



DIÓGENES: Certa vez me perguntaram se a vida é um mal e eu respondi que não, que mal era viver erradamente. Os personagens desta música, por exemplo, de um lado, rejeitavam viver conforme as leis da sociedade, mas de outro, se assemelhavam a esta mesma sociedade no que ela tinha de mais nefasto: o sonho do poder e da riqueza. Viveriam mais felizes se vivessem conforme um cão, que não tem essas preocupações humanas. Basta-nos para viver bem, a quantidade diária suficiente que cabe num prato. Além do mais, os personagens homens brigaram por amor de uma mulher e, pior, morreram por este motivo; isto é viver erradamente! O casamento é uma convenção social absurda, porque o amor deve ser naturalmente livre.



PASCAL: É mais fácil suportar a morte se não pensar nela. O agir emocional dos personagens parecia indicar que a estabilidade e proteção da vida não eram as prioridades, mas vivê-la intensamente. O coração tem razões que a própria razão desconhece, pois ao intelecto não é admitido tudo conhecer. No entanto, faltou a eles equilíbrio entre a razão e a emoção. As razões do coração falaram mais alto para estes personagens na maior parte da narrativa. Somente quando João se propôs ao casamento e viver do trabalho é que voltou-se para a razão, unindo o racional ao emocional, pois através do amor, um sentimento, moveu-se racionalmente, dando sentido ao seu existir ético.


HUSSERL: Concordo com Protágoras quando diz que as vivências variam conforme as experiências de cada pessoa. É difícil colocar-se na posição de outra pessoa sem que antes se tenha vivido o que esta pessoa viveu. Os personagens se construíram com o passar do tempo, cada qual com sua visão de mundo e sua experiência fenomenológica. Diante disto, da impossibilidade de uma avaliação segura das motivações que levaram os personagens a agirem como agiram, nos resta confiar, conforme afirma Kant, na intenção como meio seguro, pois mesmo que não a conheçamos, já que ninguém conhece a intenção de ninguém, ela existe no interior de cada um. No caso exposto na música, não posso avaliar com segurança, já que não vivi suas vidas, mas a impressão é de que João tinha esta boa intenção, assim como Maria Lúcia.



HEGEL: A ética está umbilicalmente ligada à história e à cultura de um povo, sendo a moral resultado da interação do indivíduo com as relações sociais e as instituições. Partindo deste princípio, penso que os personagens agiram na contramão da ética vigente, contrariando a sociedade na maior parte da narrativa. Mesmo quando João tentou se adequar aos ditames sociais com o casamento em nome do amor por Maria Lúcia, foi inseguro em suas intenções e frágil enquanto caráter, pois sucumbiu à primeira dificuldade. Maria Lúcia, por sua vez, não agiu como uma mulher de seu tempo que já apresentava um contexto histórico de emancipação. Parecia estar nas cavernas em busca do macho mais adequado à sua sua situação de fêmea.



SHOPPENHAUER: O problema moral do homem é o egoísmo, que não o deixa ser bom para com o outro a fim de atingir a justiça e a piedade. Superar o egoísmo é o ato moral bom, pois se cada qual abrisse mão de suas vontades para o bem do outro geraria uma gentileza partilhada. A ética não tem que ter uma norma rígida como afirma Kant, um imperativo que seja universal. Também não deve ser volúvel, baseada em meios exteriores como a cultura ou a história, tal como afirma Hegel. Ela existe no indivíduo com sua prática e suas escolhas. Se este não prejudicar ninguém e for bom com todos estará praticando a boa ação. No caso dos personagens em questão, não percebi esta movimentação para a prática do bem, pois todos agiram egoisticamente. João, ao que parece, procurou a justiça, mas o fez pelas vias erradas, animadas mais pelo ódio e egoísmo, que por justiça ou piedade propriamente ditas.



AGATÃO: Agradeço a presença de todos!


sábado, 19 de outubro de 2013

O banquete: Um Debate Possível Sobre o Conhecimento

                            Eis que inicia-se o debate!
                   Os filósofos debatem sobre o conhecimento:

PLATÃO: Devemos partir do princípio de que somos corpo e alma. Quando a alma chega ao corpo, descendo ao mundo sensível, ela esquece as coisas boas do mundo das ideias, é contaminada pelas sensações e por isso, se torna passível a enganos. Assim, o conhecimento só existe no mundo das ideias, pois o mundo sensível é o mundo das aparências, para conhecer a verdade das coisas e ter conhecimento é tarefa da educação. Cabe à educação lembrar a alma.

AGOSTINHO: Penso que a razão ajuda o homem a alcançar a fé que, por sua vez, orienta a razão. Temos duas razões: a inferior e a superior. A razão inferior trata de conhecer o sensível, o que é mutável e científico. A razão superior, por sua vez, trata do que é da fé, da alma, da sabedoria e das coisas imutáveis.

DAVID HUME: Pois eu penso que todo conhecimento vem das experiências e são os sentidos que as vivem, a razão apenas racionaliza, cataloga e distingue as coisas. Não existe o tal mundo das ideias porque não existe conhecimento a priori. Todo conhecimento é a posteriori, pois primeiro tudo deve ser vivido e uma prova disso é que não podemos prever o futuro.

DESCARTES: Pois eu vejo que o conhecimento se adquire através do método cartesiano. Parto do princípio de que deva haver uma regra rígida que retire tudo o que se possa duvidar para não haver enganos. De tudo duvido, até mesmo de minha existência, já que minha existência pode ser fruto de algo imaginário. Neste caso, existe uma coisa da qual eu não posso duvidar: a de que eu duvido, e se eu duvido, eu penso. Então, se penso, eu existo.

DAVID HUME: Você só pensa as coisas porque antes as vivencia.

DESCARTES: Eu não preciso colocar fogo num papel para saber que ele vai queimar.

DAVID HUME: Com certeza você sabe por que já viu ou já experienciou em algum momento anterior. Nada há o que a gente conheça que não tenha passado pela experiência.

DESCARTES: Somente a razão pode ser um meio seguro de conhecimento, pois retira tudo o que é duvidoso ou possa iludir os sentidos e fica apenas com o rigor do que é certo.

KANT: Penso que existe duas modalidades de conhecimento. Temos alguns conhecimentos que são a priori, principalmente os ligados ao instinto e outros a posteriori, alcançados tanto pela experiência, quanto pela razão, como aqueles que aprendemos na escola por exemplo.

ARISTÓTELES: Sempre discordei da dualidade platônica, penso que corpo e alma estão juntos em um mesmo ente. O ser humano é formado por corpo e alma e ambos têm cada qual sua parcela na aquisição do conhecimento. Contudo, o verdadeiro conhecimento vem da experiência, cabendo à razão governar e dominar as paixões. Em suma, como afirmou David Hume, não há nada na mente que não tenha passado pelos sentidos.

NIETZSCHE: Não é do conhecer que precisamos, mas do conhecido, não temos vontade de saber, mas medo do não-saber. O desejo do conhecimento não vem da nossa natureza, mas sim da busca do sentimento de segurança. Não gostamos do desconhecido. Não é a vontade de conhecer que nos atordoa, mas a agonia do que é estranho, inseguro e inabitual.

HERÁCLITO: O inabitual é o devir e o logos (razão) nos prepara para ele.  Aprendemos com as mudanças e o que sabemos vem do conflito entre os contrários. O contrário faz com que sabemos, por exemplo, sobre o que é o quente e o frio.

PARMÊNIDES: Isto são apenas sensações que permanecem! O quente sempre será quente e o frio sempre será frio! O pensamento não pode raciocinar sobre coisas que ora são de um jeito e ora de outro, que são contrárias a si mesmas e contraditórias.

HERÁCLITO: No entanto, você só conhece o frio porque conhece o quente.

ROUSSEAU: Penso que os homens devem aprender para serem livres. Permanentemente, como diz Parmênides, temos dentro de nós, em estado selvagem, uma natureza boa que deve ser mantida mesmo depois que a luta pela sobrevivência na sociedade competitiva se fizer necessária. Mas tudo pode mudar, como afirma Heráclito. Não podemos nos deixar levar pelo espírito do egoísmo que permeia a sociedade e caberá à educação este papel.

THOMAS HOBBES: Caberá à educação sim, trazer conhecimento. Mas ao contrário de Rousseau, penso que o indivíduo nasce mau e com espírito egoísta e é a sociedade que, através de mecanismos educacionais, o corrige.


SARTRE: O homem não deve aprender a ser livre porque ele já nasce livre, o que quer dizer que as ideias, ou as essências, não são anteriores às coisas, pois não se acham previamente contidas nem na inteligência de Deus nem na inteligência do homem, elas são contemporâneas e se aprende conforme se vive. Não existe conhecimento prévio.

PROTÁGORAS: Também não existe a possibilidade de conhecimento pleno, pois o homem não tem capacidade, nem alcance intelectual para conhecer a totalidade das coisas. Assim, apenas o conhecimento parcial é possível.


SÓCRATES: É possível sim o conhecimento pleno e este deve ser descoberto na própria alma: Conhece-te a ti mesmo, este é o primeiro passo. Dar-se conta da ignorância é primordial para a busca do saber e a constante dúvida é um método que deve ser seguido até que não haja mais nenhuma pergunta a ser feita sobre algo, como apresentou antes Descartes. Quando se sabe o que é a verdade, a coragem, a virtude, o belo, etc., chegamos ao conhecimento.

NIETZSCHE: E quem faz este processo? A razão? Vamos matar a verdadeira fonte do conhecimento que é o sentir? Não há nada mais formidável que sentir a brisa, o toque, o sol, a água... Daí provém o que conhecemos.

SÓCRATES: Não são invalidadas estas sensações, podemos usá-los como meios para chegar ao verdadeiro conhecimento. Um General poderá vencer diversas batalhas, mas se não souber o que é a coragem não conhecerá o suficiente, assim como um rei pode ser  adorado por diversos súditos, se não souber o que é sabedoria não conhecerá o suficiente.

NIETZSCHE: Sua teoria parte de um princípio errado: transforma o sentir, que é a principal fonte do conhecimento em um simples “meio” de adquiri-lo, um objeto, quando na verdade é o sujeito.

PROTÁGORAS: O homem é a medida de todas as coisas, das que são, enquanto existem, das que não são, enquanto não existem. Assim o conhecimento é parcial e relativo a cada ser pensante, ele se dá pela percepção do fenômeno sem que se possa separar a sensação do pensamento.

HUSSERL: Toda consciência é consciência de algo. Tudo o que sabemos é um fenômeno, que é aquilo que se apresenta a nós. Todas as vivências se dão pela consciência buscando-se uma análise compreensiva e não explicativa do mundo. Portanto, as coisas não devem ser explicadas e sim compreendidas, assimiladas pelo sujeito que observa o objeto e se transforma com esta experiência.

AGATÃO: Foi um belo debate, espero os senhores para um próximo.

O Banquete: Um Diálogo Possível Sobre a Origem da Vida

O BANQUETE
          NARRADOR: Agatão reuniu em sua casa vários pensadores da humanidade, que através dos tempos refletiram sobre diversos pontos da existência humana. Queria saber a opinião deles sobre a origem da vida, a verdade, o conhecimento, a essência das coisas, a transitoriedade...
          De um lado da mesa estavam Parmênides, Sócrates, Platão, Aristóteles, Zenão de Cítio, Santo Agostinho, Descartes e Rousseau. Do lado oposto estavam sentados Heráclito, Protágoras,  David Hume, Nietzsche, Thomas Hobbes, Kant, Jean Paul Sartre e Edmund Husserl, que tomou a última cadeira disponível.
          Agatão saldou os convivas, agradeceu as presenças e foi logo indagando:
          AGATÃO: Vamos começar este simpósio refletindo sobre a primeira das indagações: Como surgiu a vida?
HERÁCLITO: Deve ter havido um elemento primeiro que deu origem a todos os outros. Pitágoras, por exemplo, acreditava ser a água, Demócrito dizia existir partículas indivisíveis denominadas átomos. Outras teses de outros filósofos foram apresentadas e eu acredito ser o FOGO este princípio, porque sua chama é a representação viva da transitoriedade da vida, porque tudo nasce, cresce e morre. Assim é o fogo! Ora está mais aceso, ora mais apagado, até que fenece quando não é mais alimentado. Tudo é transitório, o rio em que você se banhou ontem, já não é mais o mesmo se hoje entrar nele, já não será mais a mesma água.

PARMÊNIDES: Tolice o que dizes! O ser, aquilo que existe, é permanente e imutável. O ser é e o não ser não é. O ser é desde sempre e sempre será, pois mesmo que morra continuará sendo porque foi um dia existente. O dá qualidade de existência à água é a sua essência. A água de hoje será a mesma de amanhã, como a água de um copo é a mesma de outro, pois o que importa são os seus atributos.
          
HERÁCLITO: O mundo existe pela força dos contrários, ora é água quente, ora água fria. É o movimento dentro do que permanece.
 KANT: Sobre o fogo, considero uma teoria interessante, pois suas duas atribuições básicas, luz e calor, são substâncias próprias de uma matéria sutil e elástica uniformemente difusa, que é por onde os corpos agem uns sobre os outros. Deste movimento formou-se a vida.
          

ZENÃO DE CÍTIO: Penso que uma Mente Criadora  fez tudo perfeitamente em seu devido lugar, cabendo a nós seguirmos o fluxo dos acontecimentos. Se tudo está perfeitamente posto não há porque agirmos contrariamente a eles. Vamos simplesmente aproveitar as benfeitorias da natureza.


SANTO AGOSTINHO: Pois eu acredito que Este princípio criador é Deus, onipresente e onisciente, Aquele que tudo criou...
          


ARISTÓTELES: É uma ideia plausível, a de um Deus único... Tudo o que foi gerado no mundo possui uma causa, pois nada pode existir se algo não lhe causar ou não criar tal existência. Todavia, há que existir uma causa primeira que causou todas as outras sem ser causada, a quem dei o nome de Primeiro Motor Imóvel. Ele é o supremo bem e a suprema beleza e funciona como um imã a atrair todos os outros seres, pois todos os seres são atraídos pela ideia do bem e da beleza. Ele é o ser de Demócrito, eterno e imutável; e talvez seja o Deus de Agostinho. Todas as outras coisas são passageiras como diz Heráclito.

PLATÃO: Meu querido discípulo, sempre mediando conflitos! Acredito que existam dois mundos distintos: o mundos das ideias e o mundo sensível. O mundo das ideias é representado pela alma e o mundo sensível pelo corpo. O primeiro é imutável e permanente, o segundo é transitório e passível de enganos. Para cada ser existente no mundo sensível, há um outro, perfeito e belo, no mundo das ideias. Os seres do mundo sensível são, portanto, cópias imperfeitas do mundo das ideias.
          
HUSSERL: Penso que mais importante que saber a origem das coisas é compreender o mundo.
          



PROTÁGORAS: Concordo com Husserl. Não se discute a existência ou não das coisas, nem sua origem, mas a sua relação com o homem e a forma como este as percebem.
          


SÓCRATES: O importante é conhecermos a essência das coisas...
          




JEAN-PAUL SARTRE: A essência não é tão importante quanto existir, pois nascemos do absurdo, do nada, e para o nada voltaremos. De todos que falaram até agora o mais sensato foi Heráclito, pois a transitoriedade é fato consumado, tudo nasce e morre. Não existe uma força criadora, o ser só é enquanto existe e não há essência pré-determinada nos seres. Se assim fosse, não existiria liberdade, esta sim, nossa única condenação.
          
SÓCRATES: Pode o nada criar algo? O que é o nada? Afirmar que somos gerados do nada, não seria uma forma de misticismo passivo? Acredito que devemos procurar a verdade para encontrar esta essência criadora. Você parece tê-la encontrado, a seu modo, quando afirma que a liberdade é nossa condenação, talvez seja a liberdade a nossa essência, embora esta afirmação ainda careça uma averiguação mais profunda.
         
SARTRE: Volto a afirmar, não temos uma força criadora e, portanto, não temos uma essência que exista antes de nós. Nossa essência se formará conforme nossas escolhas, somos frutos delas e livres para fazer o que quisermos, estamos aí como obra do acaso.
          
SÓCRATES: Vou aceitar, para efeitos de raciocínio, que a liberdade seja comum a todos indistintamente e nossa primeira atribuição. Nesse caso, estaria aí a nossa essência?
          
SARTRE: Agora a falácia é sua, parece um sofista! Se há uma essência, estamos presos umbilicalmente a ela. Nesse caso, como pode haver liberdade? Seria uma contradição.
           
ARISTÓTELES: Não há provas de que a liberdade seja universal e que exista plenamente; e mesmo que exista, há outras atribuições comuns a todos os homens que estão em sua essência, como a racionalidade por exemplo.
          
SARTRE: A liberdade só existe se for plena, não se é meio-livre, como não se pode ser meio-morto.
          
SÓCRATES: Então, acabas de aceitar que a liberdade possui como atribuições a universalidade – já que é comum a todos - e a imutabilidade. Estás rejeitando, nesse caso, a transitoriedade de Heráclito, a quem elogiou.
          
SARTRE: Ao contrário, é justamente a liberdade quem nos dá a possibilidade e garantia do transitório, pois através dela escolhemos ser ou deixar de ser.
         
ROUSSEAU: Os homens nasceram livres e por toda a parte estão aguilhoados. A liberdade é parte da essência do ser humano. Foi o próprio homem quem, através de suas ações mesquinhas e egoístas, fez-se preso.
          

SANTO AGOSTINHO: Essa liberdade vem de Deus, que nos deu o livre-arbítrio.
         
NIETZSCHE: Se por todos os lados só existam homens acorrentados, como afirmou Rousseau; e a liberdade vem de Deus, como afirmou Agostinho; onde está a autoridade divina? Como este Deus, que deu a liberdade, deixou que lhe fosse tirada? Um Deus sem autoridade é um Deus fraco e um Deus fraco não sobrevive! Então, devo declarar: Deus está morto!
        
DESCARTES: É óbvio que existe Deus, o único e incontestável Ser Perfeito. A primeira prova é a de que temos uma ideia de perfeição e, como seres imperfeitos,  não poderíamos tê-la sem que algo perfeito a impusesse a nós. Outra prova de Sua existência é que se nós - que temos a ideia do que é perfeito - tivéssemos criados a nós mesmos, teríamos nos feito perfeitos. Além do mais, o imperfeito não pode criar algo perfeito, pois não está ao seu alcance. Então, apenas alguém perfeito pode ter criado a tudo perfeitamente e Este Ser é Deus.
          
NIETZSCHE: Não foi Deus quem nos criou, fomos nós quem o criamos. Desde que a razão passou a comandar nossas ações, impondo-nos regras e violentando nossa vontade, houve a necessidade da presença de um Deus forte e opressor, a fim de nos causar medo e garantir que cumpríssemos com as regras estúpidas da razão.
         
HERÁCLITO: Deus é o dia e a noite, o inverno e o verão, a guerra e a paz, a abundância e a carência; ele se converte em outro tal qual o fogo misturado aos aromas; ele é a força dos contrários, chamado como melhor agradar a cada um.
         
AGATÃO: Este é realmente um tema de complicada resolução, pois possui muitas nuances e questões intransponíveis, como a fé, por exemplo. Convido a todos a passar para um outro debate: o conhecimento. O que é e como se adquire são algumas perguntas das quais refletiremos.






quarta-feira, 16 de outubro de 2013

O Banquete - Alunos Debatem Sobre Conhecimento

A turma de Filosofia II / 2º semestre de 2013 da EMEB João de Barro fez uma representação de "O Banquete" do filósofo grego Platão. Cada aluno representou um filósofo e defendeu as ideias de seu pensador como se fosse o próprio.
Agatão, o mesmo anfitrião de "O Banquete", desta vez estendeu convites perpassando a história do pensamento e o tema posto em questão foi o conhecimento.

Os diálogos foram filmados em DV pelo Professor Jeferson, de Sociologia e as fotos aqui expostas foram tiradas do vídeo.




Participaram, além do próprio Platão, Sócrates, Aristóteles, Protágoras, Epicuro, John Stuart Mills, Thomas Hobbes, David Hume, Renee Descartes, Immanuel Kant, Nietzsche, Sartre e Edmund Husserl. 

Rousseau, Agostinho e Sêneca receberam convites, mas não se fizeram presentes.

Abaixo, alguns argumentos filosóficos acerca do conhecimento:


Descartes 
 por Henrique D'Ávila (foto)
De tudo duvido, até de minha existência, só não posso duvidar de que eu duvido. Se eu duvido, eu penso; se eu penso, eu existo. Somente a razão tem a faculdade de pensar, então somente ela é capaz de conhecer.



David Hume 
 por Estevão Garcia Fonseca (foto)
Todo conhecimento deriva da experiência, pois todas nossas ideias têm origem na impressão dos sentidos. Não há conhecimento fora das impressões dos sentidos, pois não há ideia sem uma impressão prévia. As ideias são memórias enfraquecidas no pensamento, enquanto que os sentidos são vivos e intensos. 



Sócrates 
 por Amanda Lemos Fonseca (foto)
Só sei que nada sei e quanto mais sei, mais sei que nada sei. Eis a minha máxima. Parto do princípio de que é preciso despojar-se da arrogância como atitude importante de iniciação ao conhecimento verdadeiro. É preciso um método em que perguntas atinjam uma verdade que seja universal e inquestionável, despojando-se das crenças e atingindo a luz através da razão.

Protágoras 
 por Guimel Ramos da Veiga (foto)

O homem é a medida de todas as coisas, das que conhece e das que não conhece. Quero dizer que a medida do conhecimento é particular segundo a capacidade de cada indivíduo em conhecer. Assim, não existe conhecimento pleno, pois não há como conhecer tudo; nem verdades absolutas. Tudo é relativo a cada indivíduo.



Platão 
 por Felipe Nunes (foto)
Somos constituídos de corpo e alma. A alma é relativa ao mundo das ideias, onde tudo é perfeito e imutável. O corpo pertence ao mundo sensível e é falível como são os sentidos. A alma, antes de chegar ao corpo, já participara do mundo das ideias e seu contato com o mundo sensível a fez esquecer do que é bom e belo, afastando-a do conhecimento. As experiências apenas fazem a alma relembrar do que já conhecia do mundo das ideias. Os sentidos são passíveis de engano, então é preciso entregar à razão a tarefa de conhecer.

Aristóteles 
 por Tainá da Silva Pires (foto)
Amo Platão, meu mestre, mas amo mais a verdade! Digo que não há conhecimento que não tenha passado pelos sentidos. A razão fica com a tarefa de dominar as paixões e inclinações para que possamos viver equilibradamente. Alma e corpo pertencem a um mesmo mundo natural, fazendo ambos parte da nossa natureza e o estudo dela é que nos traz respostas. Portanto, o conhecimento vem da pesquisa, é na ciência que o encontramos.



Friedrich Nietzsche 
 por Leonardo M. P. Oliveira (foto)
Discordo de que as paixões devam ser dominadas; ao contrário, são elas que impulsionam a vida. Esta busca por tudo conhecer é desnecessário e os racionalistas colocam sem razão a própria razão num pedestral. Essa preocupação limita o intenso viver, pois nem tudo é facultado conhecer, somente aquilo que está possibilitado à razão humana. Portanto, devemos nos preocupar com o que podemos conhecer e deixar de lado aquilo que nos é impossibilitado. O homem não quer conhecer por vontade, mas por temer o desconhecido.

Epicuro 
 por Márcio Filipe Rodrigues (foto) 

Concordo de que busca desnecessária traz inquietude e atrapalha o bem viver. O conhecimento tem origem nos sentidos e valorizo a experiência imediata que forma, junto com os conhecimentos anteriores, o verdadeiro conhecimento. Então, posso concluir que o conhecimento se revela num conjunto de percepções arquivadas em nossa memória.

  


Immanuel Kant 
 por Mariane Gomes Kluge (foto)


Penso que existe o conhecimento a priori, relativo à razão, intrínseco a nós, independente da experiência, que não precisamos vivenciar para conhecer e existe também o conhecimento a posteriori, que só se adquire após vivenciar. Somos este conjunto de saberes: alguns já possuímos em nossa consciência, outros adquirimos através da experiência. 


John Stuart Mills 
 por João Pierre Silva dos Santos (foto) 

Todo conhecimento vem da experiência que pode ser intuitivo ou inferido. Intuitivo é aquele que eu vivencio ou vi, como por exemplo, quando sinto uma dor; não há dúvida de que eu a estou sentindo. Inferido é aquele que aprendi através de um meio exterior, como por exemplo, que o Brasil foi campeão em 1958; eu não presenciei, mas a pesquisa e análise de fatos que disponho me farão inferir que o fato é verdadeiro.


Thomas Hobbes 
 por Fricieli Costa Fernandes (foto)
A mente humana é desprovida de qualquer representação anterior à experiência. As reações humanas apresentam-se como vivências, sentimentos e impulsos. Então, como conhecemos? Em primeiro lugar vem a sensação, ilusória e aparente, não estando nos objetos, mas provindo deles. Depois temos a imaginação, que é a ilusão que se guarda na memória, sendo esta a lembrança da ilusão presente; chega-se, então, à experiência, fonte do conhecimento.

Jean Paul-Sartre 
 por Rafaela Soares de Vargas (foto) 

As ideias ou as essências não são anteriores às coisas, pois não se acham previamente contidas, nem na inteligência de Deus, nem na inteligência dos homens. Assim acontece com o conhecimento. Temos o conhecimento intelectual, relativo à universalidade e à essência, que não passam de meras possibilidades, portanto inexistentes; e o conhecimento sensível, que é aquele em contato com os seres contingentes e particulares, os únicos que realmente existem e, portanto, possíveis de conhecer.

Edmund Husserl 
 por Djuli Angel Barbosa Braga (foto)
Para que haja conhecimento é preciso a interação entre o sujeito e o objeto. A forma como o sujeito percebe o objeto é o fenômeno, aquele que se apresenta. O conhecimento se dá quando o sujeito entra na esfera do objeto, capta as suas características e,  ao voltar para si, percebe que a imagem permanece, mas ele, sujeito, agora está modificado pela imagem do objeto que nele nasceu. Conhecer resume-se ao ato de como o sujeito capta o fenômeno, faz dele uma imagem e dá a essa imagem uma significação.

Outras imagens:


Momento descontraído do debate. Os alunos se divertiram com alguns argumentos utilizados pelos colegas. 

Porém, diversos momentos foram de debate acalorado, como o da imagem abaixo em que Sócrates (Amanda) interpela Nietzsche (Leonardo), observado por Epicuro (Márcio) que, mantendo sua habitual tranquilidade apaziguadora, sempre procurou a paz entre os debatentes.