Brethant Russell foi o outro filósofo, além de Rousseau a ser homenageado por Renato Manfredini Júnior quando escolheu incluir o sobrenome Russo em seu nome artístico. Foi um pensador a frente de seu tempo abraçando causas tais como o ECOcentrismo, ideia que coloca o meio-ambiente no lugar do ser humano como centro de tudo, que por sua vez se tornaria apenas parte integrante de algo maior, que lhe supera, o chamado ecosistema.
Outra característica marcante do filósofo foi o fato de ter sido um PACIFISTA, inclusive rasgando sua carteira do partido trabalhista quando este partido deu aval para a ida de tropas lutar no Vietnã. Além disso, foi contrário às duas guerras mundiais e um opositor da construção da bomba atômica.
Estas duas característica, porém, não o fizeram tão radical no que se refere a política ideológica. Suas lutas estavam sempre mais ligadas a causas. Algumas de suas participações políticas foram divergentes e até antagônicas em alguns casos, pois foi ora socialista, ora liberal, ora trabalhista, nunca esteve profundamente enraizado em nenhuma destas tendências.
Com estas características: ecocêntrico, pacifista e volátil em termos de políticas partidárias (sem apego a elas), fica fácil imaginar porque Renato Russo se identificou com este filósofo... Provavelmente não foi pelo fato de Russell ser um grande matemático, uma vez que esta, pelo que se sabe, não fazia parte das matérias preferenciais de Renato.
Letras como "Angra dos Reis" trazem esta preocupação com a natureza, de colocar o ecocentrismo acima dos desvarios humanos e sua ganância. Já o pacifismo é outra característica bem marcante na obra de Renato Russo com canções como "Soldados" e "Canção ao Senhor da Guerra"
Quanto a política, assim como Russel, o Brasileiro era mais ligado a causas e denunciador de injustiças e maus feitos... Não era ligado a grupos partidários. O viés político ativo e não eminentemente partidário aparece em mais de uma dezena de canções, várias delas políticas, tais como "Perfeição", "Que País é Este!", " Metal Contra as Nuvens" e "Teatro dos Vampiros", para citar alguns. Além disso, sua verve anárquica (sem apego a segmentos ideológicos) aparece em cores vivas em canções como "Gerarão Coca-Cola ".
O ECOCENTRISMO
Angra dos Reis foi escrita num período em que a construção de usina nuclear na cidade de Angra do Reis estava em pauta e a discussão sobre os problemas ecológicos que poderiam advir deste tipo de construção para obtenção de energia estava em voga em todo o mundo, pois o desastre de Chernobyl acontecera havia pouco tempo do lançamento da canção. Esta angústia com o tema fez Renato Russo escrever:
"Mesmo que as estrelas começassem a cair
E a luz queimasse tudo ao redor
E fosse o fim chegando cedo
E você visse nosso corpo em chamas
Deixa pra lá"
Em "Fábricas" ele afirma:
"O céu já foi azul, mas agora é cinza
E o que era verde aqui já não existe mais
Este ar me deixou minha vista cansada
Nada demais"...
Se percebe claramente a denúncia de uma ganância exploratória tanto contra o meio ambiente, quanto em torno da condição de trabalho humano em prejuízo a ambos.
Os versos irônicos "deixa pra lá" (Angra dos Reis) e "nada demais" (Fábricas) demonstram o incômodo de Renato Russo com a postura comodista que as pessoas se colocam diante destas questões que lhe são prejudiciais.
Essas canções são apenas exemplos, dentre muitas outras citações em outras canções desta verve do artista em torno do ecocentrismo e sua preocupação com o meio-ambiente. Também estava presente como lhe preocupava a forma como as pessoas colocavam a ganância acima da preservação do meio-ambiente e da saúde das espécies.
A POLÍTICA ATIVA APARTIDÁRIA
Do ponto de vista da política tradicional, afora seu desprezo pelas tendências fascistas, Renato Russo apresentava uma certa distância, mas extremamente político do ponto de vista de defensor de causas e das ações personalisticas, sempre guiado pela ética, ciência que as pessoas costumam relacionar apenas à corrupção monetária. Em Renato Russo a ética ganha contornos mais abrangentes. Para ele toda ação se torna questão ética e com isso política. As relações amorosas, por exemplo, por mais íntimas que sejam não deixam de ser políticas, uma vez que ambos os relacionantes são inseridos no meio social e, mesmo entre eles está estabelecido uma espécie de contrato do não engano, do respeito e outras definições próprias dos relacionamentos amorosos, tornando algo que é próprio de duas pessoas em um movimento que não deixa de ser político.
Se não há contradição na exigência da ética nas ações, sendo sua guia mestra, elas aparecem na obra de Renato Russo quando se trata de definições como a tendência política dos agentes políticos e suas idiosincrasias, tal como aconteceu na trajetória de Hussel. Em 1989 Renato manifestou em entrevista seu desejo em votar em Roberto Freire, então comunista (PCB) e se mostrava incomodado com o fato da pregação em voto útil em outros candidatos da mesma tendência de esquerda, uma vez que esses outros possuíam mais chances de vitória sobre os representantes da direita. Ao mesmo tempo em que declarava voto em um comunista, declarava-se capitalista numa outra entrevista, ou seja, o voto estava lincado ao seu gosto pessoal e não quanto a ideologia que o candidato representava. Renato parecia não acreditar muito nos discursos políticos como um indicador sincero das ações dos futuros governantes. De certa forma, ele acertou em termos, pois o candidato vencedor, Collor de Mello, usou entre outros argumentos para vencer a eleição, que seu oponente de segundo turno, Lula, iria bloquear a poupança. No primeiro dia de governo foi ele quem fez isso, o que motivou Renato Russo escrever "Metal Contra as Nuvens". Aliás, esta visão de não apego a tendências partidárias, mas apegado e compromissado às causas que julgava mais justas aparecem nos primeiros versos da cancão, que afirma por si próprio saber sobre o que lutar, ao lado de quem, sem ser um simples seguidor de um grupo guiado por alguém, o que é na forma um gesto fascista, mesmo que o conteúdo não o seja:
"Não sou escravo de ninguém
Ninguém senhor do meu domínio
Sei o que devo defender
Por valor eu tenho e temo
O que agora se defaz".
É bom frisar aqui que o discurso liberal do então candidato vencedor esteve presente nos seus dois anos de governo, o que mostra que a ligação ideológica em regra acompanha o discurso, algo que Renato parecia não confiar. Acontece que um governo na democracia, não raro tem que compor com ideias que diferem um pouco do partido no poder e ceder tem sido uma prática dominante nos governos. Talvez essa volatilidade tenha contribuído para a desilusão de Renato Russo quanto à crença nas ideologias. Sua ideologia era o fazer ético.
E o que deve ter indignado o autor nesta questão em particular foi o fato do candidato vencedor dizer que o oponente iria fazer algo que ele próprio estava pensando em fazer caso vencesse a eleição. Por ser uma medida extremamente impopular, não teve coragem de colocar sob análise do eleitor, antes, preferiu mentir, afirmando que o outro faria. A mentira ajudou a se eleger e depois de eleito, sem que precisasse mais do voto, implantou a medida. E isto está muito longe da ética pregada por Renato Russo. Aliás, nos tempos vindouros, com as redes sociais, a faikes news se tornaram mecanismos importantes utilizados por muitos políticos antiéticos e têm motivado muitos debates. Assim, podemos perceber, Renato Russo novamente aparece atualíssimo nos assuntos a que se dispunha a defender.
Uma curiosidade se apresenta no instrumental... Fazendo jus ao nome, a canção imita uma dessas tormentas de verão. Começa com um ritmo calmo, como se mostra um céu límpido; depois avança, como se nuvens se aproximassem e, de repente, a pancadaria dos raios e trovões, para depois voltar a calmaria. Imita a vida, seja pessoal ou social, com suas idas e vindas, tormentas e posterior calmaria. Sempre na esperança de que dias melhores melhores virão, tal a sensação deixada por cada calmaria depois das tormentas. Então, surgem os versos finais imbuidos desses sentimentos:
"E nossa história não estará pelo avesso assim
Sem final feliz
Teremos coisas bonitas para contar.
E até lá vamos viver
Temos muito ainda por fazer
Não olhes pra trás
Apenas começamos
O mundo começa agora
Apenas começamos..."
Em outras canções aparecem outras características importantes no discurso político de Renato Russo e incluir a todos como responsáveis pelos destinos da sociedade e não somente os agentes políticos é uma dessas características. E assim coloca em "Que País é Este!":
"Nas favelas, no Senado,
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a constituição"...
A desilusão é geral e apresenta os políticos como uma mera representação ou espelho da sociedade em geral.
Repete a fórmula em "Perfeição", desta vez de forma mais abrangente, nomeando os diversos maus feitos e delitos sociais em suas diversas camadas, tais como os praticados por estupradores e ladrões, além de apontar sua própria responsabilidade no verso em que pede perdão pela "estupidez de quem cantou esta canção". A diferença de uma canção para outra é que Perfeição termina indicando a esperança, depois de tantas ironias, talvez uma vazão à sua verve platônica, assunto reservado para um outro tópico adiante. Este final anuncia:
"Venha, o amor tem sempre aberta
E vem chegando a primavera
nosso futuro recomeça
venha que o que vem é perfeição."
Já que Platão está posto para outro momento adiante, por enquanto podemos nos ater a Immanuel Kant, que afirmava existir no ser humano uma consciência imanente do que é certo e errado em se fazer. Deste modo, basta que todos ajam conforme os mandamentos e preceitos estabelecidos por esta razão universal existente na consciência para que tudo funcione como relógio e daí surja a perfeita sociedade. Por exemplo, se uma pessoa sai para caminhar com seu cachorro de estimação e limpa a sujeira que o cachorro vier a fazer e todos os outros cidadãos com seus animais fizerem o mesmo por dever de consciência e respeito para com a cidade e os demais habitantes, passaríamos a viver em uma sociedade perfeita, como sugere o título da canção. Tal e qual Immanuel Kant, Renato apela para esta consciência coletiva como meio de se construir a perfeição, o problema é que esta proposta, como as melhores já lançadoas, necessitam de uma consciência coletiva abrangente em detrimento ao individualismo que as pessoas em geral não estão propensas a seguir, ignorando a máxima "disciplina é liberdade".
O PACIFISMO
Com canções como "Soldados" e "Canção ao Senhor da Guerra", Renato Russo demonstrou todo seu repúdio às guerras, como manifestado em Bertrand Russell.
Em "Plantas Embaixo do Aquário" termina com a frase "não deixe a guerra começar", repetidas vezes como um mantra, mas inicia com "provoque o desempate", numa alusão de que a apatia também não é uma solução viável frente à vida. Todavia, este processo de desempate, além de constante, deve ser um movimento como o das plantas colocadas na parte baixa do aquário, com harmonia e equilíbrio.
Hegel, filósofo alemão, afirmava que as coisas surgem com a tese, depois a antítese, que é uma tese alternativa, para daí surgir uma síntese. Esta síntese cria uma nova tese, e dela uma nova antítese e, com isso, outra síntese se estabelece... assim sucessivamente. Este conjunto de sínteses, embora nascidos dos conflitos entre tese e antítese, podem ser resolvidos em movimentos harmônicos, tais como o diálogo, por exemplo, e cedências de parte a parte.
A guerra em si, para Renato Russo não é viável como meio de desempate que ele prega na canção... Primeiro porque a guerra já vem com interesses escusos e programados para acontecer. Existe apenas a tese, a antítese é ignorada e a síntese é o massacre de inocentes, geralmente jovens que são convencidos a lutar pelos mais variados motivos, seja patriótico ou religioso, os mais comuns. Quando não convencidos são obrigados.
Dentro do espectro da conquista pela força, tem a questão do terrorismo, outro tema recorrente nas canções de Renato Russo. Aqui o terror aparece por vezes em sua forma tradicional, como a lembrança de um grupo terrorista da Alemanha dos anos 1970 em Baader-Meinhof Blues, outras vezes, como em A Fonte, vem lembrando as chacinas de crianças e adolescentes, outras ainda através do descaso do Estado para com seus doentes e idosos, tal como aparece em Mais do Mesmo, bem como é lembrado nos ataques a mulheres e homossexuais, duas de suas causas mais caras, em A Dança.
Assim, guerra e terrorismo são ações que fogem do escopo das boas relações humanas e nada os justificam como alternativas. Nem a conquista territorial, nem a religião, nem o patriotismo, nem ideologia... Em nada se assemeham aos movimentos das plantas nos aquários.
Chegamos então aos três conceitos que aproximam Renato Russo de Bertrand Russell: a preocupação com o meio-ambiente, o pacifismo e a forma de encarar a política por meio de causas, tendo por bússula a ética.
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