segunda-feira, 4 de maio de 2015

Reunião de Filósofos 4 - Liberdade


AGATÃO: E quanto à liberdade humana, como podemos nos manifestar, caros amigos?


AGOSTINHO: Acredito no livre-arbítrio de Deus. Há alguns preceitos arbitrados por Deus tais como o amor, a justiça e a caridade, que significam como o ser humano deve procurar agir como prática do bem. Por outro lado, Ele entregou a cada qual a liberdade de escolher entre praticar estes preceitos ou não.





SARTRE: Tua tese até teria sentido se houvesse um Deus. Porém, o fato é que não temos nenhuma natureza pré-existente e nem um criador que a impôs a nós, e isto é o que nos torna livres. E, mesmo que este criador existisse, não interferiria em nossa existência com seus ditames, pois seria a negação da liberdade. A existência precede a essência, assim, nada nos condena ou nos obriga; nem a sermos justos, nem caridosos, nem estar preso a qualquer outro mandamento. Nossa única condenação é a de sermos livres. O livre-arbítrio que falas, Agostinho, é a de meia-liberdade, ou seja, você é livre, porém, tem um caminho a seguir. É como se fossêmos um papel com uma lista escrita de tarefas a cumprir; ao contrário, somos como um papel em branco e responsáveis por aquilo que for escrito. Não existe ser meio-livre, como não existe ser meio-morto ou meio-vivo.

ROUSSEAU: Ao nascer, em seu estado natural, a liberdade era própria da essência humana, no momento em que surgiu a desigualdade social. colocou no lugar da liberdade as leis e as aparências de conduta. Os comportamentos tornaram-se fúteis e comuns a todos. Vejam, todo homem nasce livre e por toda a parte encontra-se acorrentado. Então, como reconquistar a liberdade perdida? Buscar o autoconhecimento na natureza humana, num mergulho emocional em busca da bondade natural existente em cada indivíduo.

DESCARTES: Emocional !!? Liberdade é escolha entre uma coisa ou outra, entre fazer e deixar de fazer, e esta função só pode ser exercida pela razão, meu caro Rousseau. Assim como Agostinho, acredito no livre-arbítrio, que é a escolha espontânea e racional sobre o caminho a seguir. O homem pode dizer sim ou não às ordens de Deus, existe maior liberdade que esta? No entanto, para que eu seja livre, não é necessário que eu seja indiferente na escolha de um ou outro dos dois contrários; mas, antes, quanto mais eu tender para um, seja porque eu conheça evidentemente que o bem e o verdadeiro aí se encontram, seja porque Deus disponha assim o interior do meu pensamento, tanto mais livremente o escolherei e o abraçarei.

DAVID HUME: A liberdade está relacionada ao fato de que devamos vencer a necessidade. Vencendo a necessidade venceremos a vontade e a liberdade se manifesta. Não acredito no livre-arbítrio porque não acredito na capacidade de escolher livremente o caminho a empreender, uma vez que cada pessoa é regida por um determinismo bio-psico-sociológico próprio de cada um que anula o livre-arbítrio. Ou seja, nos adaptamos a cada circunstância, que são muitas, e a escolha se dá nas mais diversas formas possíveis. Não é um simples aceitar ou não cumprir uma obrigação com Deus.

EPICURO: Como eu afirmei anteriormente Hume, a necessidade é um mal, mas não temos a necessidade de vivermos nela, pois quando bastamos a nós mesmos alcançamos a posse desse bem inestimável que é a liberdade. Como atomista, acredito que o constante entrechoque destas partículas seja a prova de nossa existência livre, porque as circunstâncias, como as que Hume apresentou antes, se revezam a todo instante, tal e qual estes átomos. O que de imutável que nos atormente é o fato que carregamos na consciência um peso histórico que nos trás medo e é deste medo que temos que sair para sermos completamente livres. Me refiro, primeiramente, ao medo do destino, o que não faz sentido visto que não existe, depois medo dos deuses, que sequer se importam conosco, além do medo da morte, que não devemos sequer pensar pois quando estamos vivos ela não está presente e quando morremos já não podemos senti-la.

KANT: A liberdade individual está ligada à vivência em sociedade. O indivíduo é antes de tudo um sujeito de direito que convive com outros sujeitos de direito. Então o respeito às leis e ao dever como imperativo categórico torna cada cidadão livre. O Estado Jurídico é a expressão da vontade de cada sujeito e obedecer a esta legislação construída por vontade livre dos cidadãos é o que chamo de liberdade. A coação da sociedade para que force o homem a viver dentro da lei é o que o torna livre, porque acredito que disciplina é liberdade. Se, por exemplo, todos cumprirem a lei de que não se pode roubar, ou matar para roubar, as pessoas poderiam livremente andar pelas ruas sem temer, a qualquer hora do dia ou da noite.

MARX: Pois eu penso que é justamente a sociedade constituída quem aprisiona o homem. Contudo, é nela, através da luta que a liberdade deva ser conquistada. A fala de Kant é formal e abstrata, visto que ele parte de uma sociedade ideal e não real. A sociedade que conhecemos é escravocrata e o capitalismo apresenta uma falsa liberdade, tal e qual o ideal de propriedade de Kant, visto que a única propriedade que o operário tem é a sua força de trabalho, que a acaba vendendo aos donos do capital por muito pouco, tornando-se escravo dele. Os homens fazem a sua própria história, mas não o fazem como querem... A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. Além disto, os poderosos lançam mão de alguns meios de dominação, entre eles, como afirma Epicuro, está o medo dos deuses; a religião é o ópio do povo, prometem ao povo uma libertação futura para que este povo não lute por sua libertação na terra.

HOBBES: Percebo a questão da liberdade como ausência de impedimento, ou seja, podemos fazer tudo aquilo que não há o que nos impeça de fazê-lo, seja a lei, a consciência, a natureza... Porém, devemos cumprir com tudo que nos limita. Isto acontece com todas coisas, um rio, por exemplo, só transita dentro dos limites do seu vazão de água, às vezes mais baixo, às vezes mais alto, mas sempre dentro dos seus limites. Embora o livre-arbítrio esteja dentro deste espaço limitador, já que há mandamentos nele, não o vejo como tese adequada, pois um dos critérios norteadores da liberdade é o senso de justiça. O livre-arbítrio não cobra nada, não castiga quem não cumpre, não há conseqüências... Se não há justiça, não há liberdade, pois ações boas promovem conseqüências boas e ações más promovem conseqüências más. 

AGOSTINHO: Mas Deus cobrará de quem não viveu segundo seus preceitos...


HOBBES: Então neste caso o livre-arbítrio não serve para nada! Ele se torna apenas arbítrio, que é onde não transita a liberdade.


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