segunda-feira, 18 de maio de 2015

Reunião de Filósofos 3: Agir Político do Governante




AGATÃO: E quanto ao governante, como deve agir?

KANT: A política e o estado de direito devem estar subordinados à moral, pois o Estado se constrói com base no imperativo moral e nas leis éticas. Existe em nossas consciências um dever daquilo que deve ou não ser feito a quem chamo de Imperativo Categórico; um conjunto de normas e prescrições morais a serem cumpridas. O governante também carrega estes deveres em sua consciência, pois ela é comum a todos, já que é a priori e universal. Assim, o governante deve agir obedecendo a esta consciência. Quando ele ou o legislador, por exemplo, criam uma lei proibindo a injúria racial, não é ao racismo que atacam, já que é permissivo que uma pessoa não goste de uma determinada raça, o que está sendo atacado, com esta lei, é o imperativo categórico de que a ofensa deve ser rechaçada por nossa consciência moral, porque ninguém, nem mesmo aquele que pratica a injúria racial, aceita uma ofensa contra si. Ofender ao outro é inaceitável em qualquer parte do mundo, em qualquer tempo, em qualquer idade, sendo a ofensa criminalizada por nossa consciência. O governante deve preservar a voz de sua consciência, assim estará isento de todo mal que possa ser praticado pelas pessoas que por ventura venham a aproveitar-se dos erros existentes em tal ato ou lei; não será culpa do governante se alguma má ação for praticada por conta de um ato seu que tenha seguido os ditamos de sua consciência moral.

MAQUIAVEL: Se bem entendi, Kant, por trás do dever ético proposto por ti está a ideia de que o governante deva administrar tendo por base a boa intenção. Eu não penso que o agir do governante esteja subordinado à ética, pois acredito que os fins justificam os meios, mesmo aqueles considerados atos maus do ponto de vista ético. O que deve reger o ato do governante, portanto,  é a utilidade ao governo e o benefício que este ato trará à população e não sua intencionalidade, pois agir pela intenção ética tolhe as atitudes do governante. Para agir bem, ele deve se cercar de pessoas sábias nas diversas áreas de governo, pois penso que o primeiro método para estimar a inteligência de um governante é olhar para os homens que tem à sua volta. O Príncipe do povo deve ser ao mesmo tempo sábio e forte, como a situação exigir; portanto, deve tomar como exemplo a raposa e o leão: pois o leão não é capaz de se defender das armadilhas, assim como a raposa não sabe defender-se dos lobos.

ROUSSEAU: Maquiavel, fingindo dar lições aos príncipes, acaba instruindo o povo. No entanto, Maquiavel dá demais destaque à tirania da utilidade. Assim como Kant, penso que o governante deva agir guiado por uma vontade geral que é a vontade do povo,  já que se o governante está lá é por vontade deste povo. Porém, assim como não acredito na tirania utilitarista apresentada por Maquiavel, também não acredito que o guia deva ser o imperativo categórico universal, que Kant afirma estar traduzido pela lei, pois se as coisas mudam, assim também mudam as consciências e com elas a vontade geral. O imperativo categórico proposto por Kant prende o governante num agir único e eterno, imutável, sendo ele também tirânico; já a vontade do povo muda, muda a consciência social, mudando as leis.  Digo que pelos mesmos caminhos nem sempre se chegam aos mesmos fins.

MARX: Não é a consciência do homem que lhe determina o ser, mas, ao contrário, o seu ser social que lhe determina a consciência. Toda a história humana está baseada nas relações econômicas e é dessas relações que surgem as outras relações: culturais, políticas e religiosas.  Eu creio na soberania do proletariado. Existe a inevitável luta de classes, então, quem deve comandar as ações governamentais são os trabalhadores se auto-representando. A luta de classes, porém, pode ser distencionada através da tomada de posse dos meios de produção pela classe operária que repassaria ao Estado encarregado de representar a coletividade, tornando mais igualitária a sociedade. Assim, deixando de haver a dominação de uma classe sobre outra, com o passar do tempo não haveria mais necessidade do Estado. Seria a consciência social trazida aos indivíduos.

EPICURO: Me parece controverso que para ter equilíbrio social deva-se ter a fronte voltada para o conflito. Quem governa deve ter serenidade e sabedoria, buscando sempre a harmonia entre todos. O bom governante ouve a todas as partes e tenta buscar o entendimento sempre.

HOBBES: O que pensas, Epicuro, é uma utopia, assim como pensa Marx ao intuir que haverá harmonia no final com o fim do Estado. O homem é lobo do homem, em guerra de todos contra todos. Este é o estado natural em que os indivíduos se encontram e sempre haverá poder porque a competição é inerente à condição humana. Assim, o Estado se faz necessário, com suas leis, a fim de obter controle social. Qualquer governo é melhor que a ausência de governo. O despotismo, por pior que seja, é preferível ao mal maior da Anarquia, da violência civil generalizada, e do medo permanente da morte violenta. Também não se pode confiar nas consciências como querem Kant e Rousseau, uma vez que estas possuem uma natureza má, competitiva e egoísta.

PLATÃO: É por isso que educar as consciências em busca da racionalidade é o melhor caminho. A passionalidade deve dar lugar à razão e esta deve ser a norteadora da ação do governante. Nem todos nasceram para governar, então, que esta tarefa seja dada aos mais instruídos, que devem ser preparados para isto no decorrer da vida.

PROTÁGORAS: O bom governante dá voz a todos, mas ele deve ser aquele com o dom da retórica, do convencimento; o melhor entre todos os debatedores. Deve buscar a aceitação da população sobre seus projetos e modo de governar. Como defendo a democracia, penso que o governante deva ser um democrata que garanta a palavra aos diversos oponentes. Todo o argumento permite sempre a discussão de duas teses contrárias, inclusive este de que a tese favorável e a tese contrária são igualmente defensáveis. É assim que o governante garante a todos o direito de expor seus pensamentos.


sexta-feira, 15 de maio de 2015

Reunião de Filósofos 9 : A origem da vida

        AGATÃO: Vamos começar este simpósio refletindo sobre a primeira das indagações: Como surgiu a vida?


    HERÁCLITO: Deve ter havido um elemento primeiro que deu origem a todos os outros. Pitágoras, por exemplo, acreditava ser a água, Demócrito dizia existir partículas indivisíveis denominadas átomos. Outras teses de outros filósofos foram apresentadas e eu acredito ser o FOGO este princípio, porque sua chama é a representação viva da transitoriedade da vida, porque tudo nasce, cresce e morre. Assim é o fogo! Ora está mais aceso, ora mais apagado, até que fenece quando não é mais alimentado. Tudo é transitório, o rio em que você se banhou ontem, já não é mais o mesmo se hoje entrar nele, já não será mais a mesma água.



PARMÊNIDES: Tolice o que dizes! O ser, aquilo que existe, é permanente e imutável.  O ser é e o não ser não é. O ser é desde sempre e sempre será, pois água é água e aspectos como sujeira, cor e temperatura são transitórios e não mudam o fato de que água é agua. O que dá qualidade de existência à água é a sua essência. A água de hoje será a mesma de amanhã, como a água de um copo é a mesma de outro, pois o que importa é sua essência.

          

HERÁCLITO: O mundo existe pela força dos contrários, ora é água quente, ora a água é fria. É o movimento dentro do que permanece.

PARMÊNIDES: Ainda assim será água, eterna e imutável enquanto tal. Quente e frio são atributos passageiros...

 KANT: Sobre o fogo, considero uma teoria interessante, pois suas duas atribuições básicas, luz e calor, são substâncias próprias de uma matéria sutil e elástica uniformemente difusa, que é por onde os corpos agem uns sobre os outros. Deste movimento formou-se a vida.
          

ZENÃO DE CÍTIO: Penso que uma Mente Criadora  fez tudo perfeitamente em seu devido lugar, cabendo a nós seguirmos o fluxo dos acontecimentos. Se tudo está perfeitamente posto não há porque agirmos contrariamente a eles. Vamos simplesmente aproveitar as benfeitorias da natureza.


SANTO AGOSTINHO: Pois eu acredito que Este princípio criador é Deus, onipresente e onisciente, Aquele que tudo criou...
          

ARISTÓTELES: É uma ideia plausível, a de um Deus único... Tudo o que foi gerado no mundo possui uma causa, pois nada pode existir se algo não lhe causar ou não criar tal existência. Todavia, há que existir uma causa primeira que causou todas as outras sem ser causada, a quem dei o nome de Primeiro Motor Imóvel. Ele é o supremo bem e a suprema beleza e funciona como um imã a atrair todos os outros seres, pois todos os seres são atraídos pela ideia do bem e da beleza. Ele é o ser de Demócrito, eterno e imutável; e talvez seja o Deus de Agostinho. Todas as outras coisas são passageiras como diz Heráclito.


PLATÃO: Meu querido discípulo, sempre mediando conflitos! Acredito que existam dois mundos distintos: o mundos das ideias e o mundo sensível. O mundo das ideias é representado pela alma e o mundo sensível pelo corpo. O primeiro é imutável e permanente, o segundo é transitório e passível de enganos. Para cada ser existente no mundo sensível, há um outro, perfeito e belo, no mundo das ideias. Os seres do mundo sensível são, portanto, cópias imperfeitas do mundo das ideias.
          
HUSSERL: Penso que mais importante que saber a origem das coisas é compreender o mundo.
          
PROTÁGORAS: Concordo com Husserl. Não se discute a existência ou não das coisas, nem sua origem, mas a sua relação com o homem e a forma como este as percebem.
          
SÓCRATES: O importante é conhecermos a essência das coisas...
          
JEAN-PAUL SARTRE: A essência não é tão importante quanto existir, pois nascemos do absurdo, do nada, e para o nada voltaremos. De todos que falaram até agora o mais sensato foi Heráclito, pois a transitoriedade é fato consumado, tudo nasce e morre. Não existe uma força criadora, o ser só é enquanto existe e não há essência pré-determinada nos seres. Se assim fosse, não existiria liberdade, esta sim, nossa única condenação.
          
SÓCRATES: Pode o nada criar algo? O que é o nada? Afirmar que somos gerados do nada, não seria uma forma de misticismo passivo? Acredito que devemos procurar a verdade para encontrar esta essência criadora. Você, Sartre, parece tê-la encontrado, a seu modo, quando afirma que a liberdade é nossa condenação. Talvez seja a liberdade a nossa essência, embora esta afirmação ainda careça uma averiguação mais profunda.
         
SARTRE: Volto a afirmar, não temos uma força criadora e, portanto, não temos uma essência que exista antes de nós. Nossa essência se formará conforme nossas escolhas, somos frutos delas e livres para fazer o que quisermos, estamos aí como obra do acaso. Ela própria, a essência, é mutante; muda por escolha nossa.
          
SÓCRATES: Vou aceitar, para efeitos de raciocínio, que a liberdade seja comum a todos indistintamente e nossa primeira atribuição. Nesse caso, estaria aí a nossa essência?
          
SARTRE: Agora a falácia é sua, parece um sofista! Se há uma essência, estamos presos umbilicalmente a ela. Nesse caso, como pode haver liberdade? Seria uma contradição.
           
ARISTÓTELES: Não há provas, caro Sócrates, de que a liberdade seja universal e que exista plenamente; e mesmo que exista, há outras atribuições comuns a todos os homens que estão em sua essência, como a racionalidade por exemplo.
          
SARTRE: A liberdade só existe se for plena, não se é meio-livre, como não se pode ser meio-morto.
          
SÓCRATES: Então, acabas de aceitar que a liberdade possui como atribuições a universalidade – já que é comum a todos - e a imutabilidade. Estás rejeitando, nesse caso, a transitoriedade de Heráclito, a quem elogiou.
          
SARTRE: Ao contrário, é justamente a liberdade quem nos dá a possibilidade e garantia do transitório, pois através dela escolhemos ser ou deixar de ser.
         
ROUSSEAU: Os homens nasceram livres e por toda a parte estão aguilhoados. A liberdade é parte da essência do ser humano. Foi o próprio homem quem, através de suas ações mesquinhas e egoístas, fez-se preso.
          

SANTO AGOSTINHO: Essa liberdade vem de Deus, que nos deu o livre-arbítrio.
         
NIETZSCHE: Se por todos os lados só existam homens acorrentados, como afirmou Rousseau; e a liberdade vem de Deus, como afirmou Agostinho; onde está a autoridade divina? Como este Deus, que deu a liberdade, deixou que lhe fosse tirada? Um Deus sem autoridade é um Deus fraco e um Deus fraco não sobrevive! Então, devo declarar: Deus está morto!
        
DESCARTES: É óbvio que existe Deus, o único e incontestável Ser Perfeito. A primeira prova é a de que temos uma ideia de perfeição e, como seres imperfeitos,  não poderíamos tê-la sem que algo perfeito a impusesse a nós. Outra prova de Sua existência é que se nós - que temos a ideia do que é perfeito - tivéssemos criados a nós mesmos, teríamos nos feito perfeitos. Além do mais, o imperfeito não pode criar algo perfeito, pois não está ao seu alcance. Então, apenas alguém perfeito pode ter criado a tudo perfeitamente e Este Ser é Deus.
          
NIETZSCHE: Não foi Deus quem nos criou, fomos nós quem o criamos. Desde que a razão passou a comandar nossas ações, impondo-nos regras e violentando nossa vontade, houve a necessidade da presença de um Deus forte e opressor, a fim de nos causar medo e garantir que cumpríssemos com as regras estúpidas da razão.
         
HERÁCLITO: Deus é o dia e a noite, o inverno e o verão, a guerra e a paz, a abundância e a carência; ele se converte em outro tal qual o fogo misturado aos aromas; ele é a força dos contrários, chamado como melhor agradar a cada um.
         
AGATÃO: Este é realmente um tema de complicada resolução, pois possui muitas nuances e questões intransponíveis, como a fé, por exemplo. 












quinta-feira, 14 de maio de 2015

Reunião de Filósofos 8 : Conhecimento

AGATÃO: Acredito que na questão do conhecimento as opiniões também sejam contraditórias. Afinal, a tarefa de conhecer cabe à razão ou surge da experiência?



DESCARTES: Partimos do princípio de que um conhecimento, para tratar-se como tal, deva ser verdadeiro, pois um elemento falso não pode possuir status de conhecimento. As sensações e emoções não têm a capacidade de adquirir tal estatura, pois são passíveis de enganos e só com o uso da razão se pode chegar ao conhecimento verdadeiro. Por isso proponho o método cartesiano, algo que não possa ser refutado, nem posto em dúvida. Assim, façamos o exercício de tudo duvidar: de Deus, deste diálogo, até mesmo de nossa existência; chegaremos a conclusão de que uma coisa não pode haver dúvida: a de que estamos duvidando. Ora, se estamos duvidando, estamos pensando; e se estamos pensando, obviamente estamos vivos; ou seja, existimos. E não é a experiência quem nos dá esta prova, mas o ato de pensar, que é próprio da razão; então, só a razão é que nos dá a certeza de que o conhecimento que nos chega é verdadeiro, pois o conhecimento que nos chega pela emoção é incerto.


DAVID HUME: Pois eu penso que todo conhecimento obrigatoriamente passa pela experiência. A razão nos dá noção, propicia cálculos mentais, mas a experiência retrata com fidelidade o conhecimento, pois os sentidos e as emoções são vivos e intensos, enquanto que a razão é abstrata, não é concreta, tornando o conhecimento idealizado, tirando sua capacidade real. A razão é, e só pode ser, escrava das paixões; só pode pretender ao papel de as servir e obedecer a elas. Não contraria a razão preferir a destruição do mundo inteiro a um arranhão no meu dedo, pois o que passa ao largo de meus sentidos, mesmo que grandioso, para mim é menos conhecido que algo pequeno que eu tenha vivenciado.

DESCARTES: Se tomarmos o eclipse solar e fiar-nos no que nos informa os olhos tão somente, chegaremos à conclusão que a lua é maior que o sol, pois o tapa totalmente, o que sabemos não ser verdade. É a razão quem nos informa sobre a distância, corrigindo um conhecimento falso dado pelos olhos, em um conhecimento verdadeiro.

DAVID HUME: Todavia, se eu lhe der um beliscão, é você quem conhecerá verdadeiramente a dor produzida, os demais presentes poderão ter apenas uma noção, uma abstração... 

KANT: Penso que ambos, razão e experiência, são meios de conhecimento, cada qual com sua importância. Existem conhecimentos a priori, que são aqueles conhecimentos pré-existentes em nós, como alguns instintos, por exemplo, ligados à razão, em que não precisamos passar por experiência para adquirí-los, pois nascemos com eles. Outrossim, existem os conhecimentos a posteriori, que são aqueles que adquirimos com a vivência, nascidos da experiência. 

SÓCRATES: Só sei que nada sei, e quanto mais sei, mais sei que nada sei. Este é o princípio de minha filosofia, pois parto da ideia de que a busca do conhecimento é o início de uma vida virtuosa, que aparece ao afastarmos da ignorância. Esta tarefa cabe à razão, pois a emoção nos deixa próximos dos mitos e dos falsos conhecimentos. É pela razão que refletimos o bem que há em nós e conhecer-se a si mesmo é o primeiro passo.

PLATÃO: Somos corpo e alma, o sensível e o inteligível. O verdadeiro conhecimento é o conhecimento da alma que, habitando o mundo das ideias conheceu o que é perfeito e imutável: a verdade, o justo, o belo... Já o conhecimento advindo das sensações podem nos levar a um falso conhecimento, pois são conhecimentos passageiros, sem a certeza que precisamos.


PROTÁGORAS: Não existem conhecimentos nem verdades imutáveis, meu caro Platão, pois tudo é relativo e o conhecimento se dá conforme cada ser pensante. Também não podemos conhecer tudo, pois nossa capacidade de conhecimento é limitada, assim, cada um possui a verdade que sua capacidade individual alcança, seja através das experiências, seja através da abstração racional.


quarta-feira, 6 de maio de 2015

Reunião de Filósofos 7 - A Verdade

AGATÃO: Vendo-os falar com ideias tão contraditórias, com tão bons argumentos, fiquei refletindo sobre a verdade. Será que existe uma verdade única?


PROTÁGORAS: Se há ideias tão contraditórias, caro Agatão, é porque não existe uma verdade única, pois tudo é relativo. O que é certo em uma cultura, pode ser errado em outra; o que é nobre em um tempo, pode ser motivo de vergonha em outro; e o que é aceito em um lugar, pode ser rejeitado em outro. A única verdade existente na verdade universal é a sua tirania.


SÓCRATES: Pois eu penso que devemos buscar a verdade nas coisas. Não podemos ser justos, se não soubermos definir o que é justiça; não podemos amar, se não soubermos o que é amor; nem lutar, se não soubermos o que é coragem. De nada valerá a afeição do povo por um governante, se este não for justo; pois será uma afeição advinda de um falso julgamento, assim acontece com o amor de uma esposa por seu marido, se este a trai; e de nada vale a um General vencer uma batalha, se ele é um covarde atrás de um grande exército, a glória de sua vitória é falsa. Assim acontece com as verdades relativas, meras opiniões sem um julgamento preciso.

KANT: Se a vida é subjetiva, a verdade também deve sê-la. A verdade universal nos leva ao dogmatismo e a verdade relativa, por outro lado, ao ceticismo. Ambos são extremos perigosos, pois nem tudo pode ser dado como certeza, assim como nem tudo deva ser duvidado. A investigação, portanto, nos dirá o que é certo e o que é errado. A questão de Deus, por exemplo, não temos como saber, através da razão, que Ele exista. É a fé quem responde a esta questão, mas a fé é subjetiva, tornando Deus uma verdade subjetiva, pois neste caso não importa a existência de Deus, mas o bem que me faz ao acreditar em sua existência. Então, a verdade é subjetiva, pois existem conhecimentos inatos e conhecimentos posteriores, verdades da razão e verdades da fé.

MAQUIAVEL: Então estás dizendo Kant, que a fé que tens em Deus é muito mais por utilidade do que por crença real. Parece uma ideia contraditória à sua própria tese de verdade subjetiva, tornando-a utilitalista. Por isto defendo a verdade efetiva, pois todos vêem o que você parece ser, mas poucos sabem o que você realmente é. A verdade efetiva é uma realidade fora da subjetividade, que despreza as intenções divinas, o sobrenatural, os fatalismos e os imperativos, trabalhando com o real.

PLATÃO: A verdade está ligada à razão e não pode seguir o subjetivismo de Kant, nem o relativismo de Protágoras, porque são dotadas de enganos; tampouco deve ser efetiva, pois o utilitarismo trazido por ela é pérfido e mal, já que não repudia as más intenções. A verdade se encontra no interior da alma de cada um e é comum a todos, pois todas as almas conhecem a mesma verdade. Então, como Sócrates, acredito que a verdade existe e deva emergir através da reflexão racional.

NIETZSCHE: A verdade não existe! É uma abstração, ideias formadas por quem detém o poder e as impõem aos outros como algo que deva ser a realidade dos fatos e ações. Vejam as verdades dos racionalistas, servem para legitimar suas regras e, por conseguinte, seu poder sem que sejam questionados. Por muitos séculos, as ditas verdades bíblicas autorizaram a Igreja a produzirem atrocidades. No final, são os vencedores quem contam a história. Só sei que não há fatos eternos, como não há verdades absolutas.

MARX: Neste ponto concordo com Nietzsche. A verdade é um contigenciamento histórico entre os atores sociais e deste embate surge uma ideia vencedora, sendo ela a verdade. A força, portanto, deixa a história mal contada, uma vez que apenas uma parte é tida como verdadeira, pois as ideias dominantes numa época nunca passaram das ideias da classe dominante. Os homens fazem a sua própria história, mas não o fazem como querem... a tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. 


SARTRE: Concordo que a verdade seja subjetiva, pois ela é dada pelo sujeito que pensa, não havendo, portanto, uma verdade em essência. Qual é a essência da verdade?  O que existe é uma ideia que se coloca como superior à outra atribuindo-se a si mesma como verdadeira. Por exemplo: não existe “marginal em essência” como não existe “gente honesta em essência”, estas são atribuições dadas por uma verdade extraída de uma dada ideia que dá a uma pessoa a qualidade de desonesta e, a outra, honesta.


terça-feira, 5 de maio de 2015

Reunião de Filósofos 6 - Essência Humana

AGATÃO: E a essência humana. Nascemos bons ou maus?


ROUSSEAU: Todos nascemos com princípios inatos de justiça e do bem. Se, por exemplo, formos colocados em uma ilha ao nascer e cuidados por um tutor, permaneceremos livres das necessidades e dos vícios que ela trás. Ao estar na sociedade, a presença de nosso espelho, que é o outro ser humano, cria em nós um sentimento de competição; surgem a vaidade, o egoísmo, o orgulho, a intolelância, o ódio, o medo e outros sentimentos que nos colocam uns contra os outros. Em outras palavras, a sociedade corrompe o indivíduo, disvirtua o que tem de bom. O mal teve início com a criação da sociedade civil, que por sua vez foi criada no instante em que um indivíduo cercou um pedaço de terra e disse: “isto é meu” e faltou alguém que arrancasse aquelas cercas e dissesse para os outros não acreditarem naquele tolo. 



HOBBES: Contrariando Rousseau, penso que o homem nasce mau e a sociedade cria mecanismos para educá-lo na prática do bem. Todo ser humano é egoísta por natureza, um competidor, pois o homem é lobo do homem; e desde a mais tenra idade, primeiro com os pais, depois com a lei, é controlado pela sociedade a não praticar atos maus. Assim, não é por sua vontade natural que busca fazer o bem, mas por necessidade que a sociedade impõe como dever.



SARTRE: Não existe essência humana pré-determinada. A existência precede a essência, ou seja, ao nascer não somos nem bons, nem maus, nem autruístas, nem egoístas. Apenas somos… movidos pela liberdade que temos de escolher, influenciados pela dinâmica psico-social, mas ainda assim responsáveis por aquilo que escolhemos. E não temos a quem culpar, pois se não temos uma natureza humana pré-existente, nada nos determina, seja lá o que fizermos será por nossa conta e risco.



AGOSTINHO: Nossa essência é o Espírito de Deus, pois somos sua imagem e semelhança. Então, somos bons por natureza e esta bondade vem do Divino. Mas também temos responsabilidade por nossas decisões como as apontadas por Sartre: é o livre-arbítrio dado por Deus. Através dele decidimos se aceitamos ou não seguir o que é bom. Deus fez tudo perfeito e bom, nossas decisões erradas é que nos afasta do bem e, consequentemente, da divindade.



SARTRE: Quando eu falo em liberdade, Agostinho, não falo em escolher um caminho, pois se há algo posto para seguir ou meta a cumprir, não há liberdade.



SÓCRATES: Tudo possui essência. A própria liberdade, a bondade, a justiça são dotadas de essências próprias que devam ser descobertas pelo exercício da reflexão e são elas referências esssenciais do ser humano. Todavia, elas precisam ser abstraídas pelo exercício contante da busca do conhecimento de si mesmo fugindo da ignorância, que é o mal. Só se erra por ignorância.



PARMÊNIDES: Concordo com Sócrates de que existe essência e acrescento que ela é imutável. Tanto o mal, quanto o bem, são o que são e não mudam. O ser humano é o que é e o mal e o bem que praticam são transitórios, qualificações passageiras, pois ele continua humano independentemente da ação que pratica. Assim, não existe ser humano bom ou ser humano mau, mas existem estas três coisas separadas que são eternas e imutáveis: ser humano, bem e mal.


HERÁCLITO: Não concordo, pois vejo que tudo é movimento, tudo flui. Sartre disse bem quando negou a essência imutável. A essência humana não pode ser classificada como boa ou má, uma vez que a ação praticada, o meu agir, é que vai dar tal conotação. O que é bom hoje, amanhã pode ser mau. Ninguém pode ser bom ou mau o tempo todo.


Reunião de Filósofos 5 - Razão e Emoção

AGATÃO: Vendo os senhores neste debate ferrenho, pergunto sobre quem deve pautar nossa ação, a razão ou a emoção?


PLATÃO: Com certeza nossas ações devem estar pautadas pela razão. Agir emocionalmente é um erro, pois os sentidos podem nos levar aos enganos e enganos não servem. As paixões não podem determinar nossas ações, uma vez que quem ama extremamente, deixa de viver em si e vive no que ama. Então, toda ação boa provém da razão por um simples motivo: Não há nada bom nem mau a não ser estas duas coisas: a sabedoria que é um bem e a ignorância que é um mal.




NIETZSCHE: Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem o do mal, pois a verdade está naquilo que se sente e não naquilo que nos obrigam a sentir. A razão é anti-natural na medida em que oprime nossa vontade, esta sim guia natural de nossas ações. Os homens graves e melancólicos ficam mais leves graças ao que torna os outros pesados, o ódio e o amor, e assim surgem de vez em quando à sua superfície. Platão é um desses homens que frustra a humanidade, tirando dela a vontade de viver em nome de um suposto controle e equilíbrio, que na verdade não passa de tristeza, opressão e melancolia. O que dá vida é o corpo, os sentidos, as paixões..., não uma razão idealizada.



PLATÃO: O que faz andar o barco não é a vela enfunada, mas o vento que não se vê. Nietzsche fala que devemos viver entregues aos sentidos, pois eu digo: Viva como prega Nietzsche e em breve não terá corpo para sentir. Vencer a si próprio é a maior das vitórias e vencer a si próprio é vencer suas ambições. O homem ambicioso é um homem mau e riqueza alguma poderá proporcionar a paz a um homem mau, pois não permitirá a paz a consciência que é nossa instrutora natural e não anti-natural como quer dizer Nietzsche. E a consciência é própria da razão e é por isso que o homem retrata-se inteiramente na alma; para saber o que deve fazer, deve olhar-se na inteligência, nessa parte da alma na qual fulge um raio da sabedoria divina.



NIETZSCHE: Sabedoria divina? Como a razão não é suficiente para convencer as pessoas a desistirem de viver sua vontade em potência, apelam para a consciência e sabedoria divinas. A opressão não é apenas racional, mas ditada pela força opressora de um Deus. Nós fazemos acordados o que fazemos nos sonhos: primeiro inventamos e imaginamos o homem com quem convivemos - para nos esquecermos dele em seguida, por culpa dessa opressão moralizadora.



SÓCRATES: Sei que Nietzsche me acusa de promover a queda do modelo dionisíaco de celebração aos mitos, por ver neles o humano verdadeiro e natural. Entretanto, verdadeiros e naturais também são os animais, mas estes não possuem a racionalidade e a consciência. Nós, por possuí-las e diferenciarmos por tê-las, devemos nos guiar à luz de seus ditames, que é o que nos levam à virtude. Aos animais, por não terem consciência e racionalidade que os guie, é natural que ajam pelo instinto, contrário senso, é natural que ajamos racionalmente, por sermos dotados de razão.



SARTRE: Como Nietszche, penso que por sermos livres, também devemos agir de livre vontade , no entanto, posso querer aderir a um partido, escrever um livro, casar-me, tudo isso não passa de uma manifestação de uma opção mais original, mais espontânea do que aquilo a que se chama vontade. Então, liberdade é escolha e escolher é uma tarefa racional, assim, às vezes não somos o homem de nossa vontade, mas da vontade dos outros por escolha própria. A emoção é o querer e o querer está atrelado à consciência, posto que a decisão é sempre racional; e seja o que escolhermos, é decisão livre escolher entre a vontade e a consciência, pois no ponto de partida, não pode haver outra verdade além desta: «penso, logo existo», como afirma Descartes, esta é a verdade absoluta da consciência alcançando-se a si mesma. 



DESCARTES: Com toda certeza a ação deve ser guiada pela razão, pois basta ajuizar bem para agir bem. As paixões são boas por natureza e nós só temos que evitar seu mau uso e seus excessos, o que é propiciado pela razão. Então, se é a razão senhora da decisão é ela quem determina como deve proceder a boa ação, os sentidos são instrumentos, meios que uso para ter prazer e ser feliz. É com a emoção que eu sinto, mas é com a razão que eu decido. 



DIÓGENES: A emoção está ligada aos instintos e isso é bom, mas como disse antes a emoção trás consigo o perigo da ambição desmedida. Eu mesmo já caí em tentação ao luxo e à riqueza quando cunhei moedas falsas em minha juventude, o que foi um erro. A razão, por sua vez, deixa o mundo enquadrado em seus ditames e regras. Penso que devamos aproveitar o que há de melhor em cada caso, agir com liberdade e retirar o que nos oprime. Viver com a natureza e aproveitar o que ela nos dá a cada dia.



ARISTÓTELES: Concordo com Descartes, pois a razão tem o propósito de dominar as paixões e suas inclinações desmedidas, conduzindo-as a um termo equilibrado. A sabedoria está no meio. Então, deve-se viver os sabores que as sensações promovem, mas sempre tendo por guia a razão.


DAVID HUME: Concordo com Aristóteles e gostaria de acrescentar que nossa natureza trás consigo uma diversidade de fatores que limitam nosso agir pela influência determinante que possuem sobre nós. São fatores biológicos, sociológicos, históricos, etc… que influenciam algumas escolhas e formas de pensar. Existe um embate entre a vontade e a resistência. As sensações criam necessidades que devam ser vencidas: do ponto de vista social, por exemplo, a necessidade se mostra ao querer buscar um padrão social mais distinto; do ponto de vista físico, um corpo perfeito; tudo motivado por um padrão. Então não existe uma simples supremacia da razão sobre a emoção, é uma construção que se dá entre o ser bio-psico-histórico – com seus atributos e medos – e o ente racional.


segunda-feira, 4 de maio de 2015

Reunião de Filósofos 4 - Liberdade


AGATÃO: E quanto à liberdade humana, como podemos nos manifestar, caros amigos?


AGOSTINHO: Acredito no livre-arbítrio de Deus. Há alguns preceitos arbitrados por Deus tais como o amor, a justiça e a caridade, que significam como o ser humano deve procurar agir como prática do bem. Por outro lado, Ele entregou a cada qual a liberdade de escolher entre praticar estes preceitos ou não.





SARTRE: Tua tese até teria sentido se houvesse um Deus. Porém, o fato é que não temos nenhuma natureza pré-existente e nem um criador que a impôs a nós, e isto é o que nos torna livres. E, mesmo que este criador existisse, não interferiria em nossa existência com seus ditames, pois seria a negação da liberdade. A existência precede a essência, assim, nada nos condena ou nos obriga; nem a sermos justos, nem caridosos, nem estar preso a qualquer outro mandamento. Nossa única condenação é a de sermos livres. O livre-arbítrio que falas, Agostinho, é a de meia-liberdade, ou seja, você é livre, porém, tem um caminho a seguir. É como se fossêmos um papel com uma lista escrita de tarefas a cumprir; ao contrário, somos como um papel em branco e responsáveis por aquilo que for escrito. Não existe ser meio-livre, como não existe ser meio-morto ou meio-vivo.

ROUSSEAU: Ao nascer, em seu estado natural, a liberdade era própria da essência humana, no momento em que surgiu a desigualdade social. colocou no lugar da liberdade as leis e as aparências de conduta. Os comportamentos tornaram-se fúteis e comuns a todos. Vejam, todo homem nasce livre e por toda a parte encontra-se acorrentado. Então, como reconquistar a liberdade perdida? Buscar o autoconhecimento na natureza humana, num mergulho emocional em busca da bondade natural existente em cada indivíduo.

DESCARTES: Emocional !!? Liberdade é escolha entre uma coisa ou outra, entre fazer e deixar de fazer, e esta função só pode ser exercida pela razão, meu caro Rousseau. Assim como Agostinho, acredito no livre-arbítrio, que é a escolha espontânea e racional sobre o caminho a seguir. O homem pode dizer sim ou não às ordens de Deus, existe maior liberdade que esta? No entanto, para que eu seja livre, não é necessário que eu seja indiferente na escolha de um ou outro dos dois contrários; mas, antes, quanto mais eu tender para um, seja porque eu conheça evidentemente que o bem e o verdadeiro aí se encontram, seja porque Deus disponha assim o interior do meu pensamento, tanto mais livremente o escolherei e o abraçarei.

DAVID HUME: A liberdade está relacionada ao fato de que devamos vencer a necessidade. Vencendo a necessidade venceremos a vontade e a liberdade se manifesta. Não acredito no livre-arbítrio porque não acredito na capacidade de escolher livremente o caminho a empreender, uma vez que cada pessoa é regida por um determinismo bio-psico-sociológico próprio de cada um que anula o livre-arbítrio. Ou seja, nos adaptamos a cada circunstância, que são muitas, e a escolha se dá nas mais diversas formas possíveis. Não é um simples aceitar ou não cumprir uma obrigação com Deus.

EPICURO: Como eu afirmei anteriormente Hume, a necessidade é um mal, mas não temos a necessidade de vivermos nela, pois quando bastamos a nós mesmos alcançamos a posse desse bem inestimável que é a liberdade. Como atomista, acredito que o constante entrechoque destas partículas seja a prova de nossa existência livre, porque as circunstâncias, como as que Hume apresentou antes, se revezam a todo instante, tal e qual estes átomos. O que de imutável que nos atormente é o fato que carregamos na consciência um peso histórico que nos trás medo e é deste medo que temos que sair para sermos completamente livres. Me refiro, primeiramente, ao medo do destino, o que não faz sentido visto que não existe, depois medo dos deuses, que sequer se importam conosco, além do medo da morte, que não devemos sequer pensar pois quando estamos vivos ela não está presente e quando morremos já não podemos senti-la.

KANT: A liberdade individual está ligada à vivência em sociedade. O indivíduo é antes de tudo um sujeito de direito que convive com outros sujeitos de direito. Então o respeito às leis e ao dever como imperativo categórico torna cada cidadão livre. O Estado Jurídico é a expressão da vontade de cada sujeito e obedecer a esta legislação construída por vontade livre dos cidadãos é o que chamo de liberdade. A coação da sociedade para que force o homem a viver dentro da lei é o que o torna livre, porque acredito que disciplina é liberdade. Se, por exemplo, todos cumprirem a lei de que não se pode roubar, ou matar para roubar, as pessoas poderiam livremente andar pelas ruas sem temer, a qualquer hora do dia ou da noite.

MARX: Pois eu penso que é justamente a sociedade constituída quem aprisiona o homem. Contudo, é nela, através da luta que a liberdade deva ser conquistada. A fala de Kant é formal e abstrata, visto que ele parte de uma sociedade ideal e não real. A sociedade que conhecemos é escravocrata e o capitalismo apresenta uma falsa liberdade, tal e qual o ideal de propriedade de Kant, visto que a única propriedade que o operário tem é a sua força de trabalho, que a acaba vendendo aos donos do capital por muito pouco, tornando-se escravo dele. Os homens fazem a sua própria história, mas não o fazem como querem... A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. Além disto, os poderosos lançam mão de alguns meios de dominação, entre eles, como afirma Epicuro, está o medo dos deuses; a religião é o ópio do povo, prometem ao povo uma libertação futura para que este povo não lute por sua libertação na terra.

HOBBES: Percebo a questão da liberdade como ausência de impedimento, ou seja, podemos fazer tudo aquilo que não há o que nos impeça de fazê-lo, seja a lei, a consciência, a natureza... Porém, devemos cumprir com tudo que nos limita. Isto acontece com todas coisas, um rio, por exemplo, só transita dentro dos limites do seu vazão de água, às vezes mais baixo, às vezes mais alto, mas sempre dentro dos seus limites. Embora o livre-arbítrio esteja dentro deste espaço limitador, já que há mandamentos nele, não o vejo como tese adequada, pois um dos critérios norteadores da liberdade é o senso de justiça. O livre-arbítrio não cobra nada, não castiga quem não cumpre, não há conseqüências... Se não há justiça, não há liberdade, pois ações boas promovem conseqüências boas e ações más promovem conseqüências más. 

AGOSTINHO: Mas Deus cobrará de quem não viveu segundo seus preceitos...


HOBBES: Então neste caso o livre-arbítrio não serve para nada! Ele se torna apenas arbítrio, que é onde não transita a liberdade.


Reunião de Filósofos 2 - Agir Político do Cidadão


AGATÃO: Falando em política, como os senhores pensam que deve ser o agir político do cidadão? Marx e Diógenes parecem ter posições contrárias pelo que pude observar.


Resultado de imagem para imagens de epicuroDIÓGENES: Tenho dois motivos principais para acreditar que o ser humano deva se afastar da política. O primeiro é que a sociedade ajustada em padrões é anti-natural, o que torna por si só hipócrita e, portanto, vulgar e indecente. Olhem para os cães! Vivem naturalmente abaixo da lua e do sol. A sociedade produz pobres e ricos e aceitar viver nela é aceitar esta indecência, tornando-se também um indecente. Não tenho casa, porque o chão me basta, querê-la é entregar-se à ganância e procurar meios para tê-la, é entregar a alma ao Diabo. Na casa de um rico não há onde cuspir a não ser na cara dele. Uma pergunta se impõe: como ficou rico? Como o governante conquistou o posto? O segundo motivo vem de minha atuação como filósofo, afinal, para que serve o filósofo senão para machucar o sentimento de alguém? Assim, a melhor forma de agir politicamente é estar distante dela, o que de certa forma é um jeito de fazer política; coloco meu cajado, meu barril, meu prato e minha lamparina a disposição da sociedade. Minha política é o exemplo, a recusa em participar desta imoralidade chamada sociedade.

MARX: A sociedade, caro Diógenes, também é fruto de um processo natural e digo que é até mais natural que a solidão que praticas. E mais que natural, é inevitável. Então, pergunto? Como o cidadão deve agir inserido nesta cirscunstância? A história da humanidade foi construída pela luta de classes e a dominação de uma sobre as outras. Então, o agir político deve ser voltado para a luta, para a constante vigilância da manutenção de direitos e para a conquista do espaço social. Sem estes aspectos, você se torna presa fácil de ideologias que tentarão te manter passível diante dos acontecimentos e prometerão ilusões.


PROTÁGORAS: Eu acredito na democracia, porque acredito na liberdade do pensamento e diferenciação entre as pessoas, pois somos diferentes uns dos outros e cada qual tem sua medida, seus limites... Que vença o discurso forte, que é aquele que convence a maioria de que a sua ideia é a mais apropriada para todo o conjunto. Portanto, a melhor forma de agir politicamente é se preparar, a fim de convencer pela oratória que o seu pensamento é o melhor para ser aplicado a todos.

PLATÃO: A melhor forma de o cidadão agir politicamente é exercer uma função dentro da sociedade segundo suas possibilidades e habilidades. Assim como no corpo cada orgão exerce um determinado papel, na sociedade cada cidadão tem sua atribuição, seja ela manual, como são os artesãos, agricultores, comerciantes e demais trabalhadores braçais; seja ela de defesa, como faz o soldado; ou de governança, que deve ser própria dos políticos, legisladores e administradores públicos. Todos devem ser preparados através da educação para estas tarefas desde jovens, em instituição de ensino comum a todos, onde lhes será ensinada a virtude.

SÓCRATES: Assim como Platão, acredito que o agir político deve estar conectado com a virtude, que só se encontra na verdade, que por sua vez encontra-se no conhecimento, que é a gênese do bom agir. Não interessa viver, mas viver bem. E viver bem é viver corretamente, não ser injusto com os outros, nem mesquinho, nem buscar para si vantagem indevida ou que prejudique o outro. Não praticar um discurso, como quer Protágoras, se o discurso não for verdadeiro; somente lutar, como quer Marx, se for para buscar a justiça; e afastar-se, como diz Diógenes, somente das práticas que levam à imoralidade pública.

ARISTÓTELES: Inicialmente, devo dizer que o ser humano é um animal político e ele só pode ser concebido desta forma, pois isolado, é como qualquer outro animal. Concordo com Sócrates e Platão sobre o fato de que a virtude deve ser o elemento norteador da ação política do cidadão que inevitavelmente estará com outros cidadãos. É preciso então trabalhar a formação deste ser humano. Uma sociedade de cidadãos virtuosos forma uma sociedade virtuosa e sã, já uma sociedade com cidadãos injustos torna-se uma sociedade decadente. Então, assim como Platão, acredito que a educação deva ser o caminho para formar cidadãos virtuosos…

NIETZSCHE: Blá, blá, blá… O homem com furor filosófico não deve perder tempo com o furor político. Vocês falam de virtude, em educação para a virtude, mas... qual virtude? Aquela escondida na verdade absoluta ditada por regras que Sócrates e seus seguidores querem impor? Também acredito que a moralidade seja a melhor de todas as regras para orientar a humanidade, mas a minha moralidade é diferente das suas que exige a massificação do pensamento, onde todos seguem como cordeirinhos os ditames destas ditas virtudes. Acredito, como Protágoras, no individual; no livre pensar e no livre agir.

SÓCRATES: Percebo, pelos olhares que me lançam, que esperam uma resposta minha ao ataque de Nietszche, mas minha consciência diz que o fato de Nietzsche ser injusto comigo, não me dá o direito de sê-lo com ele. E com isso eu pratico aquilo que vejo como virtude.

NIETZSCHE: As convicções são inimigas mais perigosas à verdade dos que as mentiras.

EPICURO: Também penso que o cidadão tem obrigações que o indivíduo não tem. É preciso separar o cidadão - que é ente político – do ser humano enquanto indivíduo. O cidadão precisa seguir regras, mas o indivíduo é livre e basta-lhe procurar a boa vivência, que é encontrada na paz e na amizade. Bom seria que as pessoas vivessem em pequenos círculos, vilas pequenas, como é o meu jardim e lá vivessem o cultivo da serenidade, da troca de experiências e da prática da bondade, longe das agruras do embate político, das lutas intermináveis pelo poder que, por si só, desconstituem a virtude.